Por que é fato Chico Xavier ter colaborado com a ditadura militar?


Nem sempre os fatos trazem coisas agradáveis e, no caso da aliança entre religião e tirania política, existem confirmações que podem até contradizer com a teoria de que a religião é sempre voltada para o amor, mas que se sustentam pela lógica dos interesses e das circunstâncias.

Na Idade Média, o Catolicismo que prometia promover a paz e a confraternização entre os povos, mesmo dentro dos limites morais e imorais daquela época, tornou-se uma religião sanguinária, até pela sua própria natureza: quando não podia unir as pessoas, tirava a vida daqueles que, considerados hereges, representavam a ameaça ao que entendiam como "união pela fé em Cristo".

O holocausto, os extermínios individuais e coletivos através de uma punitividade sangrenta, fazem ser compreensível o quanto, conforme a necessidade, a Fé pode usar do ódio e da vingança para exterminar os "desertores da fé", apenas dissimulando tais sentimentos de intolerância pelo moralismo punitivismo.

Dessa maneira, quando a Fé realiza um assassinato, não raro sob tortura, é porque a pessoa se tornou "incapaz" de "compreender a fé cristã", e, por isso, ela é "expurgada" do convívio humano. A ação homicida não contradiz com os interesses de supremacia religiosa, mesmo tendo o "amor" como fachada, porque a lógica é "exterminar" aquele que não se tornar o "filho pródigo" da "fé cristã".

Daí que a Igreja Católica, na sua fase medieval, promoveu Jesus de Nazaré como um "senhor dos exércitos". Da Bíblia, distorceu o humanismo presente no Novo Testamento para um viés punitivista próprio do Velho Testamento. Em compensação, ampliou o culto às imagens que o Velho Testamento condenava, e que se tornou um risco simbólico e latente no Novo Testamento, em relação ao Jesus morto.

Na Idade Média, antecipando as fake news de hoje, inseriram-se coisas que não existiram na vida de Jesus. O tão falado julgamento de Pôncio Pilatos não só era uma grande ficção como não era da lógica política do Império Romano perder tempo julgando condenados. A sentença de Jesus foi dada de imediato e não existem registros históricos que apontem o famoso inquérito, como também não há possibilidade de achar documentos perdidos que indicassem tal hipótese.

Há também a "epístola Lentuli", apócrifa, que sugeriu um "Públio Lentulus" inexistente, porque esse nome existia, mas nenhum da maneira como foi narrada a carta que foi corroborada por Francisco Cândido Xavier através de fontes católicas duvidosas, para conceber Há Dois Mil Anos, como suposta encarnação de Emmanuel nos tempos de Jesus.

Também citamos a parábola da adúltera, uma obra que parece coincidir com a moral cristã, mas que também não passa de obra fake. A narrativa famosa, da qual veio a máxima "quem nunca pecou, que atire a primeira pedra", foi uma invenção medieval, inserida no Novo Testamento, porque a adúltera era uma metáfora para uma campanha para inocentar sacerdotes católicos acusados de traição à Santa Igreja.

E O "ESPIRITISMO" BRASILEIRO?

Quem imagina que o "espiritismo" brasileiro irá "punir" os hereges com uma flor, um abraço fraterno ou um diálogo animado e carinhoso está enganado. Como a religião foi montada pelos deturpadores, que se acham donos da Doutrina Espírita (embora não assumam isso no discurso) e desfiguraram os ensinamentos originais de Allan Kardec, devemos mais do que nunca estar vigilantes, e nunca ir dormir tranquilos diante das promessas e alegações dos "nossos espíritas".

"Conheces todos os segredos da sua alma? Além disso, sem ser vicioso ele pode ser leviano e frívolo", alerta O Livro dos Médiuns, com exemplar antecedência. Não foi por falta de aviso que a figura traiçoeira de Chico Xavier, que exerce influência dominadora em boa parte da população brasileira, surgiu para desfigurar a Doutrina dos Espíritos e rebaixá-la a um sub-Catolicismo marcado por atividades ocultistas, assistencialistas e por pregações morais bastante conservadoras.

O conservadorismo de Chico Xavier está expresso em livros e depoimentos e mesmo a seleção do que há de "agradável" nas frases chiquistas que circula nas redes sociais não consegue esconder esse conservadorismo extremo, que só a cegueira das paixões religiosas não consegue perceber.

Sem esboçar qualquer fundamentação, muitos pensam que Chico Xavier "sempre foi moderno e progressista", colhendo palavras soltas de seus textos - como "paz" e "fraternidade" - e sem o menor escrúpulo da contextualização, só desmentindo o óbvio quando ele é desfavorável ao "médium". Desmente-se até o nascer e o pôr do Sol, se isso representar algo desfavorável a Chico Xavier.

Fatos diversos e contextos dos mais amplos confirmam o conservadorismo de Chico Xavier. A formação familiar, o contexto social, a formação religiosa, e a própria identificação do "médium" com esses ideais ultraconservadores. Se não fosse sua suposta paranormalidade, Chico Xavier seria considerado um católico bastante ortodoxo, acolhendo o que havia de mais radical no Catolicismo medieval, a Teologia do Sofrimento.

Os "espíritas" choramingam quando se fala que sua religião acolhe a Teologia do Sofrimento, que na prática substituiu os postulados espíritas originais. "Isso é muita crueldade! Ficamos muito tristes com isso! Nós não defendemos que as pessoas sejam nascidas para sofrer!", é o que comumente se diz nessa choradeira demagógica que tenta desmentir o óbvio, manifesto em ideias que coincidem rigorosamente com a Teologia do Sofrimento, apesar da renegação desse rótulo pelos "espíritas".

RADICALISMO DITATORIAL

Em um período de radicalização da ditadura militar, a Escola Superior de Guerra, ao condecorar Chico Xavier em 1972, oferecendo-lhe cerimônia, espaço para palestra e horas de homenagens e cumprimentos, nunca iria abdicar de sua função estratégica, a de zelar pela ditadura militar, virando uma espécie de "Escola Superior da Paz" por alguns momentos.

Tal imaginação seria completamente tola e contraria, frontalmente, a Verdade Histórica sobre a ditadura militar. Ela trairia a memória histórica. Somos obrigados a considerar que Chico Xavier foi homenageado porque colaborou com a ditadura militar motivados por fatos, porque estes mostram uma argumentação mais possível e realista do que se tivéssemos que desconsiderar tamanha colaboração.

Se desconsiderarmos que Chico Xavier colaborou com a ditadura militar, criaríamos dois problemas. Um é que a Escola Superior de Guerra (prestemos atenção no nome "guerra") teria interrompido seu radicalismo repressivo, que o fazia patrocinar seminários que mostravam técnicas de tortura de presos políticos, naquela mesma época (início dos anos 1970), e se tornado "humanista" por algumas horas.

Embora isso fosse virtualmente possível, não havia sentido disso acontecer, de forma concreta. Afinal, a ditadura militar havia se tornado rigorosa com o lançamento do Ato Institucional Número Cinco (AI-5) e iniciado uma violenta "caça às bruxas" dos opositores ao regime ditatorial, que então era chamado de "revolução democrática".

Por outro lado, o próprio Chico Xavier fez comentários duramente negativos, fazendo ataques aos movimentos operário, camponês e sem-teto - sim, sem-teto, apesar das narrativas que diziam que o "médium", supostamente, peregrinava assistindo os desabrigados - como se fosse um histérico reacionário de 1964.

Se considerarmos a tese delirante de Ronaldo Terra de que Chico Xavier apoiou a ditadura "pela santidade do médium", teríamos que acreditar num constrangedor e equivocado modelo de "humanismo" no qual se tem igual consideração a oprimidos e opressores.

Isso contraria a natureza do verdadeiro humanismo, que não dá consideração aos opressores, porque estes atuam pelo prejuízo e ruína dos oprimidos. Não é preciso explicar muito: basta citar Jesus, que foi um dos críticos ferrenhos do Império Romano e dos sacerdotes associados, e, por isso mesmo, foi crucificado, sem aquele julgamento que se tornou o ponto máximo das encenações da Paixão de Cristo.

O apoio de Chico Xavier à ditadura militar também é reforçado pelo fato de que os generais estavam buscando outras religiões para a sustentação do regime ditatorial, uma vez que, desde 1968, a Igreja Católica começava a atuar, na maioria de seus membros, pela oposição. Isso fez com que muitos padres e missionários católicos fossem assassinados tanto pela repressão quanto pela pistolagem em áreas rurais e suburbanas em todo o Brasil.

Daí que o "espiritismo" brasileiro, através da figura ultraconservadora de Chico Xavier, um precursor dos chamados "médiuns de direita", foi uma das opções adotadas pela ditadura militar para salvar o regime, e se infere que a "Federação Espírita Brasileira" teria recebido volumosos valores financeiros nesse período. Foi o período ditatorial que representou um crescimento estratégico do "espiritismo" brasileiro, através de uma campanha que impulsionou a popularização de Chico Xavier.

O pensamento doutrinário de Chico Xavier é ultraconservador. Nele há vestígios claros da Teologia do Sofrimento, de forma explícita. A síntese desse pensamento é essa: "o oprimido deve aceitar o sofrimento extremo e as adversidades da vida, por piores e excessivas que sejam, em silêncio, sem queixumes e de forma resignada, talvez até com alegria, esperando que, num dia, o socorro de Deus venha em sua vida".

Para piorar as coisas, há várias passagens, na obra de Chico Xavier, nas quais as prometidas "bênçãos futuras", que o "médium" atribui serem "o socorro de Deus" aos sofredores extremos, não seriam mais do que "futuros sofrimentos".

Em "A Terra", poema de Parnaso de Além-Túmulo creditado ao suposto espírito de Casimiro de Abreu, Chico Xavier escreve os versos "E enche-se de esperanças / Para sofrer e lutar", como se as "bênçãos futuras" fossem mais sofrimentos e mais servidão, dentro de um moralismo punitivista que Chico Xavier prega, mas muitas vezes na forma dissimulada das palavras dóceis.

Existe uma piada na qual Chico Xavier plagiou tanto que seus plágios atingiram até o Amigo da Onça. Personagem de cartum criado, sob encomenda de O Cruzeiro, por Péricles Maranhão e, na revista, continuado, até a morte deste, por Carlos Estevão, o Amigo da Onça era um personagem franzino, com trajes de gala e bigode fino, que fazia um comentário gentil e simpático para pessoas que estavam sofrendo ou em vias de sofrer uma encrenca.

Isso se deve porque Chico Xavier tinha um jeito dócil para pedir para os sofredores permanecerem na desgraça. "O sofrimento é uma dádiva de Deus", costumava dizer o "médium" para várias pessoas. E isso vai contra o princípio da caridade, porque isso é uma forma dócil de dizer que Chico Xavier se recusa a ajudar um considerável número de pessoas e, por isso, ele deseja que elas permaneçam em suas desgraças, esperando que um dia Deus lhes vá em seu socorro.

Em outras palavras, as pessoas têm que aguentar a barra e só serão socorridas "se Deus quiser". Em muitos casos, as adversidades são excessivas, insuportáveis de tão pesadas, traumatizantes e prolongadas, mas, mesmo assim, os "espíritas", que, quando querem, deixam a "infinita bondade" de lado, dizem, em um tom "bondosamente" sádico: "O que são décadas de desgraça diante de uma eternidade de bênçãos futuras?".

"Conheces todo o segredo de sua alma?", aconselha a Codificação. Que perverso reacionário muitos se recusam a imaginar em Chico Xavier, quando os fatos mostram seu lado sombrio, forçando os chiquistas, presos às suas paixões religiosas, a brigar permanentemente com os fatos, perdendo o sono por saber que a realidade não é como eles desejam que fosse?

Ídolos religiosos podem ser terrivelmente reacionários, e o apoio de Chico Xavier à ditadura militar foi tão convicto e radical - até mais radical do que o direitismo que hoje se vê, no "meio espírita", através do ator Carlos Vereza - que a Escola Superior de Guerra, que nunca perderia tempo homenageando quem não fosse colaborador do regime ditatorial, decidiu lhe dar uma cerimônia onde se concederam condecorações.

E quem acha que a tese de que Chico Xavier colaborou com a ditadura militar veio de algum evangélico ranzinza e ressentido, devemos lembrar que ela veio da imprensa da época - embora passando pano no "médium", Veja e Última Hora noticiaram em 1972 - e foi relatado por Marcel Souto Maior em As Vidas de Chico Xavier. Portanto, foi um "fogo amigo" que atingiu o mito do "bondoso médium".

São fatos que mostram que os ídolos religiosos não são necessariamente a imagem adocicada que narrativas fantasiosas, mesmo que dominantes e sob a pretensão de estarem acima da Verdade, tanto insistem em defender. Daí que é a realidade e a verdade histórica que mostram que Chico Xavier realmente foi um colaborador da ditadura militar, porque há fatores que confirmam isso e desafiam qualquer pensamento desejoso. Afinal, a realidade é muito dura, mesmo. Mas é a realidade.