O desmérito de uma caridade paliativa, quando se festeja mais e ajuda menos


OS "ESPÍRITAS" CONTINUAM FESTEJANDO UMA CARIDADE PALIATIVA, ENQUANTO A FOME, ASSIM COMO A DOENÇA E TODA CARÊNCIA, VOLTA AO POVO POBRE.

A alegação de que Francisco Cândido Xavier "fez caridade" é alardeada sem o menor fundamento. Fala-se, vagamente mas com forte carga emocional, que Chico Xavier "ajudou muita gente", "milhares foram ajudados por ele" e fica só nisso, sem que se haja uma prestação de contas e como, de que dimensão e se realmente ocorreram tais benefícios.

As pessoas chegam mesmo a sucumbir na confusão. Em primeiro momento, diz que Chico Xavier "transformou vidas". Em seguida, dizem que ele "minimizou a dor do sofrimento", o que não é o mesmo que transformar vidas. Afinal, transformar vidas indica ruptura com a pobreza, enquanto que o alívio à dor não necessariamente significa esse rompimento, em muitos casos o contrário, sendo uma permanência de uma situação de infelicidade, apenas sob efeitos extremos reduzidos.

Da mesma forma, elas não raro se atrapalham quando são questionadas quanto à "indiscutível caridade" do seu ídolo. Um exemplo: quando alguém fala que Chico Xavier "ajudou muita gente" e alguém questiona, dizendo que não viu resultado algum dessa suposta caridade, os partidários do "médium" logo desconversam, dizendo coisas como "pelo menos ele tentou ajudar o próximo" ou "os amiguinhos pouco esclarecidos não deixaram".

Lembrando que "amiguinhos pouco esclarecidos" é um eufemismo, muito usado pelos "espíritas", para definir os espíritos inferiores e obsediadores, o que vemos é uma argumentação cheia de confusões, o que mostra o quanto duvidosa é essa "caridade" que tanta gente fala de Chico Xavier e cujos resultados, se existiram, nunca foram além dos medíocres.

PROBLEMAS E AGRAVANTES

Há vários problemas, além do fato de que, se pesquisarmos muito bem, a "caridade" de Chico Xavier nunca foi além de padrões de baixíssima eficiência que se observa, hoje, no suposto ativismo do apresentador Luciano Huck. Vejamos:

1) É uma iniciativa de práticas meramente paliativas, baseadas em oferta de uns poucos donativos, que parecem muitos, mas são insuficientes para a grande demanda de miseráveis a que se destinam tais doações;

2) Ela não mexe nas estruturas de desigualdades sociais, porque não ameaça os privilégios abusivos dos mais ricos, que até aceitam essa suposta caridade porque ela traz mais a "boa imagem" de uma sociedade naturalmente elitista e paternalista que mal consegue beneficiar os mais pobres;

3) Essa suposta caridade, na verdade, deveria causar estranheza porque traz mais protagonismo ao suposto benfeitor, enquanto os pobres são só um "detalhe", nem sequer são identificados e os resultados dessas ações não são sequer precisos, trazidos de forma meramente especulativa;

4) Os resultados são de eficiência tão baixa que os pobres que recebem os donativos são sempre os mesmos, o que demonstra o fracasso que é essa suposta caridade, que nunca passa de um grande espetáculo de encenação.

Quanto ao próprio Chico Xavier, existem agravantes que desqualificam sua figura "caridosa", como se não bastasse ele ter feito a mesma "caridade" de baixos resultados e muita promoção pessoal, igual à que Luciano Huck faz hoje em dia. Os agravantes são estes:

1) As "cartas mediúnicas", tidas como "a maior caridade de Chico Xavier", não passaram de cortinas de fumaça para abafar a crise da ditadura militar e de cenários políticos conservadores ou antipopulares;

2) Além disso, as "cartas mediúnicas" produzirem sensacionalismo, espetacularizarem a morte e estimular sentimentos obsessivos em relação às pessoas mortas, com o prejuízo de expor publicamente tragédias familiares particulares e prolongar lutos sem necessidade, mesmo diante da ideia da "vida após a morte";

3) Boa parte da "caridade" de Chico Xavier, como os donativos, não teve a menor participação dele, mas de seus seguidores, à maneira da "caridade" de Luciano Huck que é, na verdade, praticada por terceiros (público e anuncnantes);

4) As "peregrinações" de Chico Xavier são apenas processos ostensivos dos quais não trazia soluções de verdade para pessoas desabrigadas e só produziam no "médium" uma imagem de "protagonismo" que lhe trazia prestígio e fama; não bastasse isso, Chico Xavier ofendeu os sem-teto quando fez comentários negativos contra os movimentos sociais no Pinga-Fogo da TV Tupi (sobre esse comentário, um bom trecho deve ser lido aqui);

5) Chico Xavier, em sua doutrinação, se inspirava na Teologia do Sofrimento, que era o que havia de mais radical no Catolicismo da Idade Média. Com isso, o "médium", na prática, se recusava a ajudar o próximo, na medida em que dizia para este continuar sofrendo, "em silêncio", e chegando ao ponto de dizer ao oprimido para ele fingir que "está tudo bem", para "não atrapalhar a felicidade alheia".

Só a apologia do sofrimento já diminui os pontos da suposta caridade de Chico Xavier. Se ele "ajudou milhares de pessoas" (na verdade, menos do que "umas centenas"), ele deixou de ajudar milhões porque aconselhou elas a permanecerem na desgraça ou a sofrerem mais ainda para superá-la.

CONSELHOS IMPIEDOSOS

Esse é um dado macabro do moralismo religioso, querer que o outro sofresse. Dar tais conselhos, de nível bastante impiedoso, arrumando como desculpa a suposta capacidade do oprimido de superar sua dificuldade, mesmo quando as adversidades se acumulam, crescem e pioram acima de níveis considerados suportáveis e contornáveis.

A sociedade aplaude, sem saber, esse moralismo, sem sequer cogitar que ele segue um nível punitivista, retrógrado. Não adianta fingir e dizer que esse moralismo é "progressista", que "Deus nunca pune as pessoas" e que as adversidades são "apenas provas educativas".

É muito fácil dizer isso com ar benevolente, linguagem paternal e um discurso suave, citando como "recompensa" as "bênçãos futuras". É fácil disfarçar o sadismo, mesmo quando diz "o que são décadas de sofrimento diante da eternidade de bênçãos?". É muito cômodo, confortável, falar tudo isso com um tom suave, com uma voz pausada e tranquila, passando a cabeça de um sofredor contrariado com as desgraças que lhe esmagam no dia a dia.

E aí veremos o quanto o mel das palavras esconde o veneno de tamanho moralismo, sobretudo quando se pede para o sofredor sorrir, aguentar a dor com esperança, fingir que está tudo bem só para não atrapalhar a alegria dos outros - o que traz um egoísmo oculto nessas palavras e desencoraja a solidariedade alheia ante as dificuldades dos outros - , tudo isso faz do moralista religioso um perverso, bem mais do que se pode imaginar.

Afinal, ao fazer apologia do sofrimento, podem haver mil argumentos usando palavras cômodas como "aprendizado", "desafio" e "esperança futura" para enganar os sofredores e iludir a opinião pública quanto a esse moralismo punitivista disfarçado pelo açúcar das mensagens.

Mil vezes cruel é o religioso que diz para o sofredor aceitar sua própria desgraça. E como isso foi a bandeira de Chico Xavier, ele praticamente foi reprovado no quesito caridade, só por causa de suas ideias, não bastasse a filantropia sofrível que nem ele fazia, mas seus seguidores e colaboradores.