O método Malcolm Muggeridge

MITO DA PRETENSA CARIDADE - MALCOLM MUGGERIDGE, O "CRIADOR", E MADRE TERESA DE CALCUTÁ E CHICO XAVIER, SUAS "CRIATURAS".
Quem gosta de Francisco Cândido Xavier esquece que o famoso mito de Chico Xavier é adorado por uma "caridade" que nem foi assim tão expressiva como se alardeou e era tão fajuta e oportunista quanto a de Luciano Huck hoje, uma "caridade" que beneficia mais o suposto benfeitor do que os mais necessitados, estes reduzidos a um "mero detalhe" e tratados como uma multidão amorfa e sem importância.
Esquecem os chiquistas, sejam sectários ou não, divinizadores ou não, que eles mesmos são dotados de preconceitos elitistas cruéis, que medem a "caridade" pelo prestígio do "benfeitor", e usando os pobres apenas como "justificativa" para esse prestígio e para uma adoração fanática cada vez mais dissimulada, porque acaba se revelando sem a consciência tranquila que muitos alegavam ter quando manifestavam apreço por Chico Xavier.
Mas outra coisa que os chiquistas esquecem é que seu mito, de maneira indireta, foi inspirado no que o católico conservador e jornalista britânico Malcolm Muggeridge, fez em prol de Madre Teresa de Calcutá. O "fabricante de santos" criou os paradigmas da beatitude de consumo, da idolatria religiosa que muitos imaginam ser um "sentimento divino", mas na verdade não passa de uma tietagem barata, mas feita por motivação religiosa.
E como se dá essa devoção para consumo, que envolve sobretudo o êxtase místico das comoções humanas premeditadas, aquele ato de "encher de lágrimas" motivado pela idolatria religiosa? Como se dá essa verdadeira "masturbação dos olhos", na qual um prazer oculto pelo sofrimento alheio se dá ao ouvir estórias de "tragédia e superação" que causam muita comoção?
O que há é um roteiro do qual Muggeridge atuou de maneira decisiva para transformar Madre Teresa de Calcutá - depois desmascarada pelos maus tratos dados aos internos de sua instituição Missionárias da Caridade - na "personificação da bondade humana" e o mesmo roteiro foi usado pela Rede Globo de Televisão, então aliada da ditadura militar, para promover Chico Xavier da mesma maneira, com o objetivo de tentar salvar o regime ditatorial através de um suposto símbolo de "esperança e paz".
"CARIDADE" ESPETACULARIZADA, PORÉM PALIATIVA
Podemos então enumerar o roteiro de Malcolm Muggeridge, cuja simbologia usada para promover Madre Teresa e, no Brasil, Chico Xavier - cuja propaganda muggeridgeana se deu a partir de um especial do Globo Repórter, que mais parece uma adaptação do documentário Algo Bonito Para Deus (Something Beautiful For God), que Muggeridge lançou em 1969 - , se deu através de uma narrativa, que pode se resumir na seguinte mitologia:
1) O "benfeitor" se dirige a uma cidade marcada pela pobreza, destinado a entrar numa instituição. As pessoas o esperam em volta, com devoção e o acolhem com efusiva afeição;
2) O "benfeitor" também cumprimenta pessoas miseráveis sentadas no chão e outros pobres, em pé, em busca de assistência (ou Assistencialismo);
3) O "benfeitor" também segura, de uma senhora pobre, um bebezinho, normalmente negro, índio, mestiço ou de alguma etnia popular, no colo;
4) Em seguida, o "benfeitor", cercado de uma multidão extasiada, entra na casa institucional, para ver as instalações;
5) Dentro do recinto, o "benfeitor" começa a conversar com pessoas doentes ou velhas deitadas em leitos modestos, em aparente compaixão;
6) Depois, o "benfeitor" vai a uma cozinha onde se preparam sopas e outros alimentos. Um pouco após, o "benfeitor" observa criancinhas tomando sopas e outras pessoas almoçando;
7) Passados esses minutos, o "benfeitor" é convidado a ir a uma bancada, no salão central, para dar seus depoimentos e uma plateia em reunião;
8) Durante esse depoimento, o "benfeitor", baseado na Teologia do Sofrimento (que glamouriza a desgraça humana), fala de conceitos de auto-ajuda, que se tornam uma "filosofia de vida" para seus seguidores.
Esses oito itens da "caridade" espetacularizada servem de uma grande "pegadinha" para uma sociedade de classe média enxergar a "ajuda ao próximo" não pelos seus resultados, mas pelo prestígio de quem, aparentemente, está "ajudando".
Os resultados são só "meros detalhes" e só são considerados em função do "benfeitor". É um jogo psicológico do qual o "necessitado" depende do "benfeitor", porque se este for desqualificado a "caridade" deixa de existir, o que é um equívoco.
Afinal, no caso de Chico Xavier, se ele for desacreditado como um (suposto) filantropo, os miseráveis poderão ser assistidos, de maneira até muitíssimo melhor, por outros filantropos. Mesmo assim, soa ofensivo, para os chiquistas, tamanha desqualificação, e, neste jogo psicológico, os miseráveis e o suposto benfeitor estabelecem uma relação simbólica comparável a de um refém e seu sequestrador, que tem que ser favorecido para garantir a sobrevivência da vítima.
Ou seja, essa "caridade"promove toda uma idolatria, ou seja, um ritual de adoração que, em situações mais singelas, se manifesta quando um internauta decide, para "alegrar o dia", botar uma mensagem de Chico Xavier nas redes sociais, enquanto poucos se interessam em saber como e se a pobreza foi realmente eliminada.
Os pobres se tornam os mesmos todo ano que se realiza o "espetáculo da caridade", mas a sociedade pouco se importa com isso. Mas quando o suposto benfeitor é desmascarado, essa sociedade reage com revolta, porque não querem ver sua idolatria desfeita.
POBRES SÃO DISCRIMINADOS
Nessa "caridade" espetacularizada, que rende mais idolatria e devoção do que progressos humanos, quando mesmo os resultados inexpressivos recebem a desculpa de que "pelo menos o benfeitor tentou fazer por onde", os pobres não têm nome, não têm cara, e são tratados de forma ainda pior do que muitos cachorros e gatos de vídeos sobre resgates animais que existem aos montes no YouTube.
Cães e gatos recebem nomes, são filmados recebendo banhos, exames médicos, alimentação e injeção de nutrientes. Alguns desses bichinhos são revoltados animais de rua, que reagem aos socorristas com agressão, que, depois de um bom tratamento, reaparecem como amigáveis, dóceis e receptivos, brincando no quintal de uma instituição de assistência aos animais, num clima de muita alegria.
Compare isso com a "caridade" de nomes como Chico Xavier, da qual existe a confusão, que já começa a ser coletivamente contestada, entre "aliviar a dor do sofrimento" (que não necessariamente representa a superação estrutural da pobreza) e "transformar vidas" (que pressupõe a superação estrutural da pobreza).
Essa "caridade" é, na verdade, uma demonstração pálida de mero paternalismo. Pouco importam os resultados, pouco importa se os pobres a receber os donativos são os mesmos (sinal de que a "caridade" nada adiantou). E os pobres não têm nome, não têm rosto, porque é tudo, simbolicamente, uma multidão "uniforme" que apenas varia, genericamente, entre mulheres, velhos e crianças miseráveis.
Eles são tratados de forma despersonalizada, do contrário que os cães e gatos das instituições de proteção animal. Aliás, eles nem são devidamente assistidos. Uns são apenas internos e alojados, entre crianças órfãs e velhos doentes, passando por alguns portadores de doenças mentais. Mas eles também não têm nome nem cara, e olha que cães e gatos possuem menos variação em aparência do que os seres humanos, mas os bichinhos são mais individualizados e melhor tratados.
As fotos de pessoas pobres submissas beijando a mão de Chico Xavier - que, contrariando tudo o que ele diz sobre sua "humildade" individual, mal conseguia esconder seu ar de superioridade sobre os pobres que lhe são subordinados - , revela o caráter real dessa pretensa caridade, que distribui donativos de maneira automática, com falsa afetividade dissimulada pelo "bombardeio de amor", mas que nem por isso significa alguma demonstração, a mínima que for, de verdadeiro humanismo.
Tudo é desumanizado. Os pobres são apenas uma multidão de pessoas insignificantes que recebem mantimentos, roupas, remédios e outros utensílios. Recebem apenas o "carinho" e os "sorrisos" formais dos assistencialistas de ocasião. Mas tudo mais parecendo promoção de supermercado do que uma ação para "transformar vidas humanas" e toda a propaganda tentando explorar o sentido "transformador" não passa de meia-verdade, de conversa para boi dormir.
A ação filantrópica só serve para glorificar o "benfeitor", que não obstante nem contribui com a "caridade". Nem ele ajuda e nem quer ajudar e, quando recorre à Teologia do Sofrimento, prejudica mais ainda, na medida em que aconselha um sem-número de miseráveis e oprimidos de qualquer espécie a aceitarem sua própria desgraça, sob a desculpa de que no futuro haverá o "socorro de Deus".
Como as pessoas que idolatram pretensos filantropos - esquecemos que o que Madre Teresa e Chico Xavier fizeram nunca passou da "caridade" fajuta que hoje vemos em Luciano Huck e até em gente ainda mais gananciosa e menos admirável como Bill Gates e Mark Zuckerberg - preferem medir a "caridade" pelo prestígio do "benfeitor", pouco se importando pelos resultados, tão vagamente apreciados? No caso de Chico Xavier, basta qualquer boataria que todos vão para casa dormirem tranquilos.
E é essa natureza hipócrita que está por trás de toda a idolatria "normal" tida como "em prol da caridade", que não passa de um mero pretexto para a idolatria e o fanatismo religioso, enquanto se disfarça o desprezo que a chamada "classe média" tem do povo pobre. O que parecem sentimentos saudáveis e equilibrados são apenas maneiras hipócritas de mascarar o preconceito e idolatrar supostos filantropos que nem eram tão caridosos assim como se imagina.
Basta ver o que Luciano Huck, Bill Gates e Mark Zuckerberg fazem, uma "caridade" paternalista feita apenas para agradar a opinião pública. Apesar da aparência "humilde", Chico Xavier não era diferente e sua "caridade" foi apenas um meio para blindar sua pessoa das acusações graves de deturpador do Espiritismo, pioneiro na literatura fake e reacionário dos mais radicais. Bom-mocismo só ajuda os oportunistas travestidos de benfeitores. Os pobres são só um detalhe.