A esperteza de Chico Xavier ao forjar sua despretensão e humildade
CHICO XAVIER TEVE A HABILIDADE DE USAR SUA "CARTEIRADA" RELIGIOSA PARA FORJAR HUMILDADE E IMPRESSIONAR E DOMINAR AS PESSOAS.
Há alguns ditados populares que deveriam ser vistos como alerta, no que se refere à obra de Francisco Cândido Xavier, que as pessoas, tomadas de cegueira emotiva e entorpecidas pelas paixões religiosas - definidas como tão ou mais traiçoeiras e perigosas do que as paixões viciosas do sexo, das drogas e do dinheiro - , se recusam a perceber.
Um deles é o ditado "é bom demais para ser verdade", que aponta para a farsa do livro Parnaso de Além-Túmulo. Alguém, em sã consciência, irá mesmo acreditar ou considerar como possível que os grandes escritores e poetas da língua portuguesa já falecidos iriam se reunir, vindos de lugares dispersos e distantes, atravessando, no caso de portugueses, o "oceano do além-túmulo", para enviar mensagens por intermédio de um funcionário público de uma cidadezinha de Minas Gerais?
Não, nem em sonhos. A alegação é emocionalmente agradável, mas, convenhamos, não tem o menor fundamento da realidade. E não é difícil entender isso. Basta as pessoas tomarem como exemplo a própria vida.
De uma turma de determinado ano letivo de uma escola, uma turma, estimada em pouco mais de 20 alunos, atravessa, digamos, 30 anos de ocorrida. Ou seja, três décadas se passaram quando um grupo específico de alunos conviveu junto em determinado horário de aulas e recreio, com alguma extensão no lazer cotidiano.
Só que é praticamente impossível reunir todos os mais de 20 alunos numa comemoração. Uma parte foi incapaz de comparecer, por conta de algum compromisso pessoal, sobretudo quando se tornam pais e têm que se dedicar aos filhos. Eventualmente, algum dos alunos já morreu. Em certos casos, alguma ocorrência pode fazer, também, com que outro seja um desafeto dos principais líderes da turma. Às vezes, alguém sucumbe a algum vício e vive em lugar ignorado.
Isso nos diz muito em relação à farsa das "falanges" de supostos pintores e escritores que pretensos médiuns, e isso inclui os "renomados" Chico Xavier e o baiano José Medrado (este no âmbito das artes plásticas), porque não dá para "chamar" pintores daqui e dali, da França, da Itália, da fase modernista, da fase barroca, como quem escolhe comida a quilo (ou escolhia, antes da pandemia).
Isso cria até uma confusão no que se refere à ideia de "chamar espíritos" ou esperar que eles "peçam para serem psicografados". Chico Xavier disse que "o telefone toca do lado de lá", ou seja, são os espíritos que, segundo sua tese, se oferecem para mandar mensagens. Mas a fácil atribuição de que eles "vêm aos montes" para mandar mensagens dá a impressão de que o suposto médium escolhe seus "artistas favoritos" como criança gulosa que, numa doceria, escolhe as guloseimas que quer comer.
Não, isso não existe, e, da forma que foi e ainda é feita, vai contra os ensinamentos da Codificação. O termo "é bom demais para ser verdade" surge quando lembramos das lições de Allan Kardec, que alertava sobre o uso de "grandes nomes" que enfeitam supostas mensagens espirituais para, assim, enganar o público, oferecendo mistificação ou trazendo promoção pessoal do suposto médium.
Outro ditado que temos é "quem muito diz ser, no fundo não é, porque quem realmente é não precisa ficar se dizendo". Não perceberam que Chico Xavier alardeava demais sobre sua suposta caridade, sobre sua aparente humildade e sobre qualquer tipo de despretensão? Era um "dizer o tempo todo", uma pretensa negação de grandeza, uma simplicidade dita de maneira exaustiva que, se fosse feita por um cidadão comum, causaria irritação em muita gente.
Sim, o alarde de cada coisa irrita qualquer um. Qualquer pessoa que falasse demais sobre alguma postura pessoal irritaria muitos, que o veriam como um chato. No entanto, se o chato for o "médium" Chico Xavier, as pessoas parecem inebriadas da mais perigosa e escravizadora fascinação.
A suposta humildade de Chico Xavier é uma falácia, porque ele mesmo desejava ser famoso, usava a religião para se tornar celebridade e obter promoção pessoal. Ele, certa vez, se queixou de não ter sido convidado por um jornalista a dar entrevista. Só porque ele se dizia "humilde" e se fazia de renunciar ao dinheiro - mas era sustentado por terceiros, à maneira dos antigos aristocratas do Segundo Império, que não tocavam em dinheiro mas tinha quem lhe pagar despesas e até mordomias - por pura esperteza.
No Capítulo 20 do livro, nem sempre de leitura agradável devido às lições contudentes, chamado O Livro dos Médiuns, intitulado Influência Moral dos Médiuns, temos a questão 6 do item 226, que chama a atenção de médiuns levianos que, à primeira vista, não parecem viciosos:
6. Se as qualidades morais do médium afastam os Espíritos imperfeitos, porque um médium dotado de boas qualidades transmite respostas falsas ou grosseiras?
— Conheces todos os segredos da sua alma? Além disso, sem ser vicioso ele pode ser leviano e frívolo. E pode também necessitar de uma lição, para que se mantenha vigilante.
O pretensiosismo de Chico Xavier salta aos olhos, pelo fato dele ter subvertido a função intermediária que, antigamente, era atribuída aos médiuns no tempo de Allan Kardec. Com sua trajetória, Chico Xavier inseriu o culto à personalidade, que eliminou o semi-anonimato dos verdadeiros médiuns (muitos conhecidos só pelo sobrenome) e os transformou nos "sacerdotes" do catolicizado "espiritismo à brasileira".
Isso foi horrível, e a demagogia faz muitos crerem numa "humildade" nada humilde. Tanto que é famosa uma foto em que Chico Xavier tem sua mão beijada por pessoas pobres que apresentam um ar tristonho, cabisbaixo e submisso, o que mostra uma diferença de status do "humilde médium", supostamente pobre, e das pessoas que, de fato, haviam sido pobres e humildes.
A foto revela um caráter de soberba. Notem o sorriso de Chico Xavier, o gostinho dele do prestígio, sua satisfação pelo protagonismo, como um popstar da religião recebendo longas filas de pessoas, obtendo fama e prestígio às custas do sofrimento alheio, produzindo sensacionalismo e colaborando até para o crescimento da imprensa marrom, a baixa imprensa que agradece muito ao suposto médium pelo cartaz que ele emprestou a ela.
Afinal, foi a partir dessa imprensa marrom que tivemos a imprensa policialesca e popularesca que idiotizou a cultura popular, impondo referenciais cafonas e grotescos ao povo pobre, e criou uma esfera de reacionarismo que permitiu que "jornalistas" como José Luiz Datena pedissem aos pobres os votos para Jair Bolsonaro, que em ideias reacionárias não difere muito de Chico Xavier (este só reprovava o uso de armas por cidadãos comuns).
CHICO XAVIER QUERIA SER PROFETA?
Um ponto que divide os chiquistas é a suposta profetização de Chico Xavier. Os que nela acreditam defendem que o "médium" estava ciente do futuro da humanidade. Os que não acreditam consideram que o "médium" não tinha esse dom, apenas comprometido com a "caridade" e as "mensagens de fraternidade".
O cineasta e escritor Juliano Pozati está nos que acreditam na "profetização" de Chico Xavier. Já o suposto médium Ariston Teles, de Brasília, que alega "incorporar, em psicofonia", o "médium", diz que não acredita em tal qualidade. As duas posições são alvo de muitas brigas dentro dos seguidores do "médium" mineiro.
A pergunta que se faz, todavia, é se o próprio Chico Xavier queria ser reconhecido como profeta. A narrativa oficial sugere que não, que ele apenas "transmitia" pressentimentos que ele julgava serem de ordem espiritual e apenas dava o recado que ouvia do além-túmulo. No entanto, essa tese é bastante duvidosa e problemática, em vários aspectos, como a qualidade confusa e as informações equivocadas de muitas "previsões".
Só que não devemos, como ensina a Codificação, acreditar em tudo que os supostos médiuns dizem. Os segredos de suas almas podem ser os piores possíveis, e não são os aparatos de beleza, afetividade e pretensa sabedoria que trarão a veracidade de boas intenções e práticas honestas. A própria Natureza parece nos ensinar, subliminarmente, quando mostra que os animais mais venenosos parecem ingênuos e bonitos e as plantas mais venenosas trazem frutas com sabor doce de agradável.
Chico Xavier nunca fez profetização. Mas ele estava a serviço de uma estratégia de marketing, desenvolvida desde o começo de sua carreira mas reforçada nos anos 1970, quando se importou novas técnicas de "promoção de santidade" forjadas pelo jornalista britânico Malcolm Muggeridge, e isso significa que Xavier era promovido para ser, ao mesmo tempo, uma versão brasileira de Jesus Cristo e Nostradamus, com o meio científico passando pano na sua figura religiosa.
Desde 1938 Chico Xavier publicava supostas profecias. Embora sua mais famosa, a da "data-limite", que se revelou um fiasco em 2019, tenha sido atribuída a um relato indireto de outra pessoa, no caso Geraldo Lemos Neto, ela se encaixa até mesmo no fato de que Chico Xavier fez "previsões" semelhantes na entrevista ao programa Pinga Fogo, da TV Tupi, em 1971.
Tudo isso veio, sim, com a intenção de Chico Xavier forjar sensacionalismo e criar uma "carteirada" múltipla para dominar os brasileiros e qualquer incauto que estiver fora do território nacional. Assim, ele usa a alegação de que "conversa com os mortos" para criar medo até em jornalistas investigativos, juristas e acadêmicos que viessem com alguma hipótese de investigar os pontos negativos da trajetória do "médium".
Foi esse medo, por exemplo, que fez o acadêmico "espírita" Alexandre Caroli Rocha apostar numa "necessidade" que nunca se realiza: a de que para trazer conclusões sobre a suposta obra espiritual sob o nome de "Humberto de Campos", é preciso primeiro analisar o processo de comunicação com os mortos e conhecer a realidade do mundo espiritual.
Caroli Rocha deu um tiro no pé, uma vez que, oficialmente, esses problemas já estão "resolvidos" sob a ótica do "espiritismo à brasileira". Chico Xavier não é tido como "maior médium brasileiro"? Sua "psicografia" não é "fato consumado"? E o "mundo espiritual" não seria algo "já delimitado", com mapa e tudo, a partir da "colônia espiritual de Nosso Lar"?
Isso tudo rende confusão e, diante dessas confusões todas, Chico Xavier estabelece seu terrível estrelato e fama, sendo blindado como nem mesmo o mais blindado "cacique" dos tucanos (políticos do PSDB, partido apoiado pelo "médium" no final da vida) consegue ser, pois nem mesmo setores das esquerdas, que começam a se inquietar com os chamados "espíritas de direita", ainda são complacentes com o dito "carteiro de Deus".
Daí que é um grande perigo o culto à personalidade de Chico Xavier, mesmo com seu fanatismo sendo disfarçado, ultimamente, por uma "adoração isenta" que "admite imperfeições" e alega que o "espiritismo" brasileiro "não tem sábios, nem profetas nem salvadores da pátria".
Dar um "rosto único" para "personificar" a paz e todo tipo de virtude humana é muito perigoso, porque é transformar tais qualidades num bem privado, além de criar idolatrias perigosas, como as que cercam Chico Xavier, adorado como o "velocino de ouro" dos hebreus que irritaram Moisés.
A figura de Chico Xavier não merece a mínima adoração, mesmo disfarçada de uma adoração "isenta" e "ciente dos defeitos". Isso é idolatria do mesmo jeito e o que se faz é disfarçar o fanatismo, até porque as reações de obsessão continuam as mesmas. Chico Xavier tornou-se anti-kardeciano pelo conjunto da obra e tudo o que ele mereceria era um repúdio e, depois, um desprezo histórico.