Bancas de jornais reexibem revistas sobre Chico Xavier. Desespero?
BANCA DE JORNAL NO CENTRO DO RIO DE JANEIRO.
Aparentemente "esquecido" nas bancas de jornais, o mito de Francisco Cândido Xavier reaparece através do eterno relançamento de uma edição de Superinteressante dedicada ao "médium", com uma abordagem que segue a linha de pensamento dos chamados "isentões". A repentina "reaparição" de Chico Xavier nas bancas segue com material velho e algumas bancas, em todo o país, exibem também as publicações chapa-branca que a editora Alto Astral (do astrólogo João Bidu) publicam a respeito dele.
A maioria das bancas exibe a edição de Superinteressante, que nunca consegue obter boas vendas. A edição já tem mais de cinco anos, e eventualmente retorna às bancas de maneira suspeita, até porque a mídia hegemônica blinda, desde a ditadura militar de forma mais sistematizada e calculada, o suposto "maior médium do Brasil".
A edição descreve Chico Xavier como uma personalidade "controversa", que havia provocado incidentes incômodos na comunidade literária e em parte da imprensa. No entanto, a matéria "passa o pano" no mito do "bondoso médium", dentro de uma perspectiva "isentona" de permitir que ele seja, contraditoriamente, "santificado" e considerado "imperfeito e errante".
Um dos jornalistas envolvidos na revista Superinteressante - que já chegou a ter o reacionário Leandro Narloch em suas redações - é Alexandre De Santi, que depois foi trabalhar no The Intercept Brasil, onde está até hoje. A equipe em que trabalha é comandada por Glenn Greenwald, a se notabilizou investigando a corrupção na Operação Lava Jato, principalmente por parte de Sérgio Moro e Deltan Dallagnol.
No entanto, o Intercept carrega uma incômoda ironia: De Santi "investigou" Chico Xavier com a mesma falta de coragem e de imparcialidade com que Sérgio Moro investigava os políticos do PSDB, denominados "tucanos". De Santi manteve o mito do "bondoso médium" mesmo fingindo acolher pontos controversos. Lembremos que Chico Xavier, no final da vida, recebeu Aécio Neves, que, para o "médium", era o "líder político dos seus sonhos", mineiro e liberal-direitista. Os dois manifestavam profunda admiração mútua. Para Chico Xavier, Aécio era "o cara".
Qual o interesse de recolocar Chico Xavier nas bancas de jornais de todo o país, relançando pela enésima vez a edição de Superinteressante, que já deveria ter sido devolvida e a maioria de seus exemplares já desfeita e transformada em papel reciclável? E isso quando já começam a repercutir denúncias de que o "médium" era um reacionário e se promoveu fazendo fraudes literárias que até seus apoiadores foram obrigados, sem querer, a revelar com detalhes.
Há também relatos de que títulos relacionados direta ou indiretamente a Chico Xavier, como revistas, sua bibliografia, livros sobre sua trajetória etc, também começam a aparecer com maior frequência nos portais de vendas como Mercado Livre, OLX (que, ironicamente, tem como lema publicitário o "desapego") e Buscapé, além do sebo digital Estante Virtual.
Em contrapartida, a publicação de jornalismo investigativo, O Enigma Chico Xavier Posto à Clara Luz do Dia, escrito em 1944 por Attila Paes Barreto, que apresenta o caso do "médium" com um enfoque muito raro hoje, quando o religioso é alvo da fascinação obsessiva de muitos brasileiros - um sentimento reprovado e desaconselhado pela Codificação - , não aparece sequer em reproduções em PDF trazidas por internautas comuns.
Qual o interesse desse relançamento de Superinteressante ou de publicações como a da editora Alto Astral? Será o desespero de jornaleiros "espíritas" ou "espiritualistas" em insistir em manter o mito do "bondoso médium", agora desidratado a ponto dos chiquistas hoje mudarem o enfoque, trocando a abordagem "divinizada" por outra "mais realista" (a do "médium imperfeito, endividado e errante")?
No caso de jornaleiros "evangélicos", ou que não são sequer simpatizantes com o "espiritismo à brasileira", a ideia de vender as revistas sobre Chico Xavier tem como objetivo "se livrar do médium", diante do risco dele ser denunciado em larga escala por um jornalista investigativo corajoso.
Sabe-se que, quando foi denunciado o escândalo de João Teixeira de Faria, o João de Deus, em dezembro de 2018, os diversos crimes do "médium" goiano haviam sido cometidos desde 1972, e o apadrinhamento de Chico Xavier àquele que recebeu do "bondoso médium" o controle da Casa Dom Inácio de Loyola, onde trabalhava como colaborador desde 1976, já ocorria após a prática de vários desses incidentes, como o assédio sexual.
Portanto, não são denúncias de fatos recentes, mas de fatos antigos. A diferença é que João de Deus, apesar da fama internacional que iludiu famosos como Oprah Winfrey e Madonna - que chegou a anunciar visita à Abadiânia meses antes da denúncia - , não conta com a mesma blindagem que, mesmo depois de morto, Chico Xavier goza hoje em dia, como um "tucano que deu certo".
O mito que reconstruiu Chico Xavier usando o método do "fabricante de santos" Malcolm Muggeridge foi concebido de maneira muito intensa e, num país emocionalmente frágil como o Brasil, isso significa uma obsessão muito forte, na qual é difícil desconstruir uma imagem divinizada de uma hora para outra.
É irônico que, para o "espiritismo" brasileiro que fala tanto em desobsessão e desapego, as pessoas se tornam terrivelmente obsediadas e apegadas a Chico Xavier. Mesmo a concessão de seus partidários, que tiveram que tirar o "médium" do pedestal, cancelar sua "santificação" e substituir o mito divinizado pelo mito do "médium imperfeito, errante e endividado", consiste em manter o apego e a obsessão pelo mito, mas de uma forma bem mais dissimulada para evitar acusações de fanatismo.
A desesperada medida de Chico Xavier "voltar às bancas" e aos "sebos de livros", digitais ou presenciais, revela um dado ambíguo: a tentativa de salvar o mito muggeridgeano do "bondoso médium", para o bem das vendas de livros nas editoras "espíritas", ou o desejo de se livrar da "presença incômoda" de um religioso que começa a ser desqualificado pela opinião pública.
Em todo caso, começa-se a se dissolver o mito de Chico Xavier e as pessoas estão reagindo com medo. Jornalistas investigativos, por enquanto, resistem em investigá-lo e reforçar as denúncias de reacionarismo radical e fraudes literárias do "médium". Mas escândalos religiosos diversos já preparam os brasileiros para quando as denúncias contra Chico Xavier forem divulgadas por jornalistas de maior visibilidade, repercutindo na grande mídia.
Além dos escândalos que vemos envolvendo João de Deus, Edir Macedo, Flordelis, Damares Alves, Silas Malafaia, Padre Robson e tantos outros, temos também a revelação de gente que foi aliciada ou escorraçada para permitir a "ascensão tranquila" de Chico Xavier.
Do assédio a Humberto de Campos Filho, que cancelou os processos judiciais contra o "médium" (que estavam em recurso, após a sentença judicial de 1944) à estranha morte de Amauri Xavier, por possível envenenamento (com base em ameaça noticiada por Manchete), constata-se que o mito de Chico Xavier é tão arrivista quanto Luciano Huck e Elon Musk, capaz de "puxar o tapete" até do sobrinho para garantir a imagem divinizada ou semi-divinizada que passou a gozar na posteridade.