"Isenção" do "espiritismo" brasileiro só vai piorar o que já está ruim

 


A atual fase do "espiritismo", que agora realça sua aparente "isenção", um suposto "espiritismo com os pés no chão" que agora seus partidários defendem, é uma tendência que supera a antiga "fase dúbia" que incluiu alguma dose de espetacularização e marcou o auge de figuras como Divaldo Franco. 


A "fase dúbia" é assim definida porque os "médiuns" comprometidos com a deturpação do Espiritismo original - como Divaldo e Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier - se aliaram tendenciosamente aos "científicos" sob a promessa de "recuperarem as bases doutrinárias". Essa promessa nunca foi cumprida, e se definiu pela promiscuidade de "médiuns" igrejeiros e palestrantes perdidos entre a "catolicização" espírita e o respeito às bases kardecianas.


Não que essa postura dúbia fosse extinta, ela permanece inteira, mas a "fase dúbia", que incluiu uma certa dose de espetacularização, sobretudo diante do ritualismo da devoção católica - sobretudo em torno de Chico Xavier - , que se contradizia com supostas evocações do Espiritismo original, incluiu exageros de grandeza que se tornaram controversos e tiveram má reputação.


Com isso, vieram os partidários do "espiritismo" brasileiro e de Chico Xavier que, eliminando aspectos como a suposta profetização do "médium" e sem oferecer respostas a denúncias diversas - como a literatura fake das supostas "psicografias" - e observando erros em Divaldo Franco, como seus comentários reacionários (homofóbicos e anti-esquerdistas), e em João de Deus, como acusações de assédio sexual e outros crimes, criaram uma abordagem "mais realista" da doutrina igrejista.


Desta maneira, criou-se um "espiritismo" sem profetas, sem sábios, sem respostas, sem coisa alguma. Apenas existe o formal respeito aos ensinamentos kardecianos, mas a erosão doutrinária se torna evidente. O "espiritismo isento" se reduz tão somente a um misto de consultório moral com entidade assistencialista, nada mais havendo de útil nos atributos do "espiritismo à brasileira".


E aí o que era ruim se tornou pior. A "fase isenta" não resolve os impasses que, há mais de um século, desnorteiam o "movimento espírita", que hoje paga o preço caríssimo de suas más escolhas. Pelo contrário, torna-se pior porque reduz-se o "espiritismo" a uma coisa insignificante, que, de tão "pé no chão" mais parece estar com o "pé na cova".


Isso porque o "espiritismo" brasileiro, nessa postura atual tipo "gente como a gente", supostamente assumindo seus erros e imperfeições, e combinando pretensa autocrítica com falsa modéstia, só consegue se depreciar e em nenhum momento garantir respeito algum aos postulados espíritas originais.


Insiste-se em deturpar o Espiritismo original e, depois, bajular Allan Kardec e fingir que respeita rigorosamente seus ensinamentos. Tudo isso virou um círculo vicioso, desde a "fase dúbia", quando os deturpadores da causa espírita prometeram a recuperação das bases doutrinárias, subestimadas pela "Federação Espírita Brasileira", há mais de 40 anos.


O pior da "fase dúbia" continua sendo mantido, mesmo quando outros aspectos negativos, como a divinização de Chico Xavier, são descartados. No "espiritismo isento", Chico Xavier desce do banquete dos puros, deixa o Reino dos Céus e volta à erraticidade como um "espírito endividado". Mas a reconstrução no padrão "gente como a gente" do mito do "bondoso médium" não dispensa de fanatismos nem idolatrias.


Na verdade, o "espiritismo isento" tem os problemas que os próprios "isentos" possuem. Na verdade, é um conservadorismo enrustido, um reacionarismo envergonhado que tenta se sustentar com argumentações pretensamente racionais, pois os "isentões" em geral atuam como se fossem "filósofos de WhatsApp", sempre os primeiros a responder quando algum texto apresenta um questionamento que lhes incomode profundamente.


Um comentário típico dos "isentões" se dá com palavras mais ou menos semelhantes a estas:


"Eu até entendo alguns pontos de vista apresentados neste texto, e vejo até sentido nestas abordagens, mas não considero que o texto todo seja coerente, porque vejo também defeitos sérios, como isso, isto e aquilo. No seu todo, o texto carece de fundamentação e a tese que ele apresenta é dotada de muitos equívocos e não sei se considerá-lo irá resolver os problemas em questão".


É um argumento supostamente racional, mas é o típico caso do sujeito que puxa para trás num debate, se carregando em algumas ideias que ele diz "concordar" para, assim, puxar o freio de mão de um questionamento e, assim, invalidar o texto. 


Em vez de levar adiante os questionamentos, o "isento" puxa para trás, apenas fazendo a concessão de aceitar certas ideias, para assim desqualificar o debate, num jogo discursivo supostamente imparcial e que mais parece uma conformação com os problemas existentes, na pretensão de "admitir imperfeições" que refletem uma postura falsamente autocrítica.


No caso do "espiritismo" brasileiro, a postura "isenta" esvazia a doutrina igrejeira em todos os sentidos. Reduzido a um mero "receituário moral" e uma "entidade assistencialista", mais como uma instituição conselheira e um depósito de donativos trazidos por frequentadores de "centros espíritas", o "espiritismo à brasileira" acaba se anulando como doutrina e se depreciando institucionalmente.


Mas isso estava latente desde o começo. É porque as más escolhas e as dissimulações sucessivas chegaram ao "espiritismo" de hoje, "imperfeito" e "sem respostas para dar à humanidade". O mais grave disso tudo é que, também, os "espíritas" nunca puderam tirar satisfações nem prestar contas quanto à deturpação doutrinária, que apenas foi aceita sob a desculpa das "tradições religiosas populares" e das "afinidades com o Cristianismo".


O que ocorre é que o "espiritismo isento", "sem qualidades" marcantes e com muitos defeitos,  se tornará oco e vazio, Chico Xavier será adorado sem motivo que fundamente isso e os "espíritas" se rebaixarão a uma existência apagada, o que vai agravar a crise que a religião, por suas más escolhas de décadas, anda colhendo. A "isenção" acabará piorando o que já estava ruim no "movimento espírita".