"Espiritismo" esquece que sofrimento demais raramente gera gênios

 

"CRISTIANISMO SEGUNDO PÔNCIO PILATOS" - O anti-Cristo pioneiro da Teologia do Sofrimento, corrente medieval baseada na apologia da desgraça alheia.


O "espiritismo" brasileiro diz uma coisa e faz outra. Anunciado como uma religião supostamente progressista, racional e moderna, seu conteúdo é o extremo oposto de sua embalagem. O "espiritismo" que se apresenta ao público leigo no Brasil, ainda que admita imperfeições e erros, tenta mostrar uma imagem maravilhosa de sua doutrina, mas é só aderir a essa religião que se observará que o buraco é mais embaixo e seu conteúdo é apenas uma repaginação do Catolicismo medieval.


O Catolicismo medieval tem como sua corrente mais radical a Teologia do Sofrimento. É uma espécie de "Cristianismo segundo Pôncio Pilatos", ou seja, é uma apreciação de Jesus Cristo conforme os olhos punitivistas das elites romanas que o crucificaram.


As pessoas se assustam ao saber disso. Mas há um prazer, nessa corrente chamada Teologia do Sofrimento - que durante séculos foi o mote da moral católica, com reflexo até nossos dias - , em ver o outro sofrendo demais, a partir da própria condenação de Jesus pregado na cruz, como se fosse maravilhoso um prego sujo e enferrujado furar a palma da mão.


Diz o ditado popular que "pimenta nos olhos dos outros é refresco". A Teologia do Sofrimento é a sacralização do prazer pela desgraça alheia. É uma catarse perversa e desumana, mas que se sustenta por um discurso suave, como nas teorias mais traiçoeiras. Fala-se que é sofrendo em demasia que se alcança, com menos demora, as graças de Deus. Esse discurso traiçoeiro apela para a falácia de que "dia de desgraça é véspera de bênçãos".


É um discurso muito perigoso, que toma como falsa analogia a ideia da tempestade. Os ideólogos da Teologia do Sofrimento falam que, depois de um dia de trovoadas, ventos e chuvas intensos, frequentemente ressurgem dias de sol com um céu tranquilo. Comparar a desgraça alheia a um fator meteorológico, além de tendencioso, é severamente cruel, mesmo sob o aparato de palavras dóceis.


No "espiritismo" brasileiro, a influência de Chico Xavier na Teologia do Sofrimento tornou-se mais decisiva do que qualquer católico propriamente dito. E isso é chocante, por vários aspectos: o fato dos "espíritas" nunca assumirem o termo Teologia do Sofrimento e o discurso que os "espíritas" fazem aos leigos, de maneira mentirosa, alegando que "o espiritismo nunca defende o sofrimento, ninguém nasceu para sofrer ou para pagar o que quer que fosse".


Muitos, tomados pela cegueira emocional que blinda o "médium" não querem reconhecer isso. Acham que as ideias medievais de Chico Xavier em prol do sofrimento alheio são "metáforas", e não são poucos os palestrantes e escritores "espíritas" que creditam a desgraça humana como "desafios", "ensinamentos" ou "provas", sendo este termo, "prova", o preferido da doutrina brasileira.


Mas não são metáforas. A Teologia do Sofrimento não pode ser como um produto enlatado que, depois de comprado no supermercado e levado para casa, é preservado no armário com a embalagem arrancada. Não se pode seguir a Teologia do Sofrimento sem chamá-la pelo nome. As ideias medievais de Chico Xavier sobre o sofrimento são explícitas e diretas, como um "papo reto", apelando para a pessoa que sofre um excedente de desgraças a aceitar tudo calada, resignada e, se possível, adotar o masoquismo religioso de estar feliz nessa situação, ou penar demais para sair da mesma.


A MAIORIA DOS SOFREDORES EXTREMOS SE TORNA CRUEL


É da natureza instintiva, da qual não podemos rejeitar, que o excesso de adversidades, em boa parte pesadas e traumatizantes, tende a trazer mais piora do que melhora nas mentes das pessoas, a exemplo de animais que são acuados. Um rato de aparência dócil pode se tornar perigoso quando acuado e pode morder quem estiver à sua frente. Cães e gatos dóceis, quando acuados, tornam-se bastante agressivos e podem também morder.


Por que temos que exigir, dos seres humanos, que sintam até alegria diante da pior desgraça, e que achem maravilhoso dar murro em ponta de faca para vencer na vida. A Teologia do Sofrimento anda de mãos dadas com a meritocracia, e as pessoas se deixam enganar porque esse discurso sempre se sustenta com argumentos agradáveis e "esperançosos". Falar é fácil.


Como nas pirâmides financeiras, que pescam casos isolados de sucesso pessoal em atitudes que resultam, em maioria, em fracassos retumbantes, algo que também é explorado pela mídia empresarial, quando se fala em casos pontuais de sucesso no emprego como "regra" e não exceção, a Teologia do Sofrimento inventa que o excesso de infortúnios produz pessoas geniais e altruístas.


Isso é um grande engano. Pessoas geniais e altruístas que surgem no sofrimento extremo são muito raras. Não dão sequer 1% da humanidade em seu todo e em toda sua história. A maioria das pessoas resultantes de desgraças agravadas e acumuladas sem controle é de gente perversa, corrupta, traiçoeira, quando não são tiranos nem genocidas aqueles que foram acuados pelo Destino.


É uma grande ilusão dizer que, só por haver grandes cientistas, compositores, escritores e humanistas em geral que enfrentaram terríveis adversidades em sua vida, sofrer demais é bom. Nos esquecemos que, por haver adversidades em excesso, podem também surgir tiranos que, diante de tantos impedimentos, tendem a reagir promovendo a vingança, a discriminação, a repressão. E quantos ladrões não surgem quando até as oportunidades mais básicas lhes escapam de suas mãos!


Para o moralista religioso, pouco lhe importa perceber o quanto é ruim uma pessoa tomar sustos na vida, ver todos os caminhos fechados, perder os entes queridos mais valiosos e não encontrar novos amigos à altura, ter que aturar humilhações pesadas e ameaças dos piores inimigos e ter que fazer concessões e esforços em vão, sem obter uma mínima conquista na vida.


Não é o moralista religioso que vai perder sono ao sofrer linchamento moral nas redes sociais. E ver que já houve "espíritas" dizendo que é inútil se arrepender de erros passados porque é obrigação enfrentar o sofrimento é assustadoramente cruel. E quanta perversidade se pode esconder pelo mais doce mel das palavras! Até a Natureza nos mostra que certos animais de aparência fofa e frutas de sabor delicioso são altamente venenosos!


É constrangedor que o moralista religioso, com seu ar de superioridade e seu tom paternal - posturas que não foram exceção em Chico Xavier - , arrume mil desculpas para forçar o sofredor extremo a aceitar sua própria desgraça. Insensíveis, os "espíritas", no chamado "atendimento fraterno" das "casas espíritas" (onde pessoas fazem consultas para falar de seus problemas), aleguem que seus pacientes "estão bem" e basta apenas "se manter na fé e em oração a Deus".


Para piorar, o próprio caráter contraditório e até mesmo hipócrita do "espiritismo" brasileiro faz com que as vidas das pessoas que fazem os "tratamentos espirituais" obtenham mais infortúnios do que solução para suas vidas. Ou seja, em vez de seus problemas primários (existentes antes de recorrerem a tais tratamentos) serem resolvidos, novos e gravíssimos problemas aparecem e se acumulam sem controle, a ponto de nem orações a Deus consigam resolver, com toda a emoção das rezas!


O moralismo religioso, na verdade, é pregado por pessoas que estão bem de vida. O "Cristianismo segundo Pôncio Pilatos" de que consiste a Teologia do Sofrimento, sempre a defender novos "Cristos crucificados", revela o ponto de vista do vencedor que determina que o derrotado admita sua perda se ele quiser se considerado "também um vencedor". E isso era assim desde que a aristocracia romana pediu a condenação de Jesus de Nazaré ao crucifixo mediante o tortuoso caminho para o Calvário.


As pessoas formadoras de opinião no Brasil estão bem de vida. Não entendem que Chico Xavier foi um grande mistificador, que arruinou o legado da Codificação através de seu moralismo medieval e punitivista. Tanto que este blog ainda inspira, em muitos brasileiros, muito medo para aceitar e reconhecer as verdades negativas em torno do suposto médium, na verdade uma das figuras mais conservadoras de toda a História do Brasil. 


A imagem mitificada e fantasiosa do "bondoso médium" ainda seduz as pessoas, como que numa fascinação obsessiva, que a Codificação reprovava. Daí a insistência dos brasileiros em preferir que o Brasil todo caia do que cair o mito de um único homem, invertendo, assim, as lições originais de Allan Kardec. Depois vão dizer que são "rigorosamente fiéis" ao professor de Lyon.