Problemas na relativização das comunicações com os mortos

 

A ATRIBUIÇÃO DE QUE PROBLEMAS NAS MENSAGENS ESPIRITUAIS SERIAM "ACIDENTAIS' PELA MENTE TERRENA DO MÉDIUM CARECEM DE LÓGICA E COERÊNCIA.


Fala-se da atividade psicográfica no Brasil como se fosse uma coisa já resolvida, mas que, contraditoriamente, ainda precisa ser resolvida. Essa teoria confusa se dá quando a carteirada religiosa de Francisco Cândido Xavier nos faz supor que a comunicação dele com os mortos é "legítima" (apesar da "pendência" de analisar tal tarefa) e que o mundo espiritual é mesmo como se apresenta Nosso Lar, uma espécie de "Barra da Tijuca do além-túmulo", com direito a uma "Cidade de Deus / Rio das Pedras" ao lado (o "umbral").


Quando se fala em fraudes nas obras "mediúnicas" de Chico Xavier, não apenas seus partidários como seus simpatizantes supostamente leigos e declaradamente "distanciados" - inclusive jornalistas investigativos ainda inseguros em desafiar a pretensa superioridade do "bondoso médium" - , há um argumento que chama atenção e que vem à tona de vez em quando: é quando as falhas são atribuídas a um "problema na comunicação".


Com base nessa tese, o suposto médium seria visto como "antena psíquica", como certa vez um seguidor de Chico Xavier lhe atribuiu. Dessa forma, a "comunicação com os mortos" seria uma "tentativa" de "entender" o recado do além-túmulo, e os problemas de estilística e de outros aspectos pessoais do suposto falecido seriam falhas "acidentais" da concentração mental do suposto médium. Ou seja, a "antena" não consegue "captar direito" o "sinal que vem de fora".


Isso cria pretexto para que intelectuais de baixíssimo senso questionador como Alexandre Caroli Rocha falem na suposta pendência de "estudar melhor a comunicação entre os vivos e os mortos", uma novidade que nem mesmo a obra de Allan Kardec pôde trazer respostas, e não foi por culpa do pedagogo lionês, mas das limitações técnicas e tecnológicas relacionadas.


Ou seja, no tempo vivido por Kardec, os meios de Comunicação eram mais precários. A fotografia mal havia sido uma novidade, naquele período de 1857 a 1869. O cinema, o fonógrafo e o rádio foram novidades de algumas décadas mais tarde. Na primeira metade do século XX, veio a televisão . A Internet foi uma descoberta de 1969, portanto, com apenas 51 anos de existência e ainda incipiente no final da vida de Chico Xavier, entre 1997 e 2002..


Como cobrar do pedagogo francês as respostas prontas a respeito da comunicação com os mortos? Devemos analisar com Bom Senso e Lógica. Evidentemente, as descobertas em torno da atividade psicográfica disponibilizadas para Kardec permitiram as análises que, na sua essência, permanecem atualíssimas. O que ele nos diz sobre os perigos da pretensa mediunidade nos servem até hoje, e são profundamente ignorados no Brasil, pelas paixões religiosas em prol do próprio Chico Xavier.


No entanto, quanto a questões como a caligrafia dos espíritos e aspectos como a personalidade de um falecido comunicante, Kardec procurou trazer teorias possíveis, e, pelas limitações técnicas, ele até classificou como "secundária" a patente pessoal de um morto. Mas isso ele se referiu a personagens muito antigos, como, por exemplo, o filósofo Sócrates, dos quais os traços mais peculiares de sua personalidade se perderam da memória.


Lembremos do caso de Jesus de Nazaré, que é descrito de maneira desigual por seus seguidores, sendo inclusive ídolo de pessoas anti-cristãs. Ele "reaparece" em fotos de homens com cabelo comprido e barba que só variam no aspecto étnico: ou é um espanhol, ou é um italiano, ou então um sueco. 


Há também narrativas que põem em dúvida tanto a existência de Sócrates - cuja obra é narrada por terceiros, principalmente o filósofo Platão - e do próprio Jesus, também narrado por fontes alheias, como os quatro evangelistas Marcos, João, Mateus e Lucas. A maior parte dos argumentos toma como legítimas as existências dessas duas personalidades, Sócrates e Jesus, devido à lógica de sentido dos motivos apresentados.


No entanto, isso não permite o exercício da "liberdade de fé" na atribuição de "autorias espirituais", como se fosse possível que "aceitemos ou não" tais autorias conforme "a crença de cada um". Isso é uma afronta terrível à memória de um morto, que já não está mais aqui para exercer atividades de âmbito físico, e ainda "pode" ser responsabilizado ou não por mensagens que ele, em condições reais, nunca escreveria.


A TENDÊNCIA NÃO É DE LEGITIMAR, MAS DE INVALIDAR


Quando analisamos a "psicografia" de Chico Xavier, tomamos conhecimentos de problemas sérios e graves, que escapam a aspectos lógicos, embora oficialmente eles sejam relativizados pelo suposto âmbito da dúvida, algo que lembra mais a tese de "mistério da fé" travestida de algum problema científico não resolvido.


Apesar das recomendações que havia dado, de maneira explícita, Allan Kardec quando avisou que "o que a Lógica e o Bom Senso reprovam, rejeitai-o corajosamente", não é isso que fazemos com a obra de Chico Xavier, que traz um sem-número de contradições, equívocos e outros pontos problemáticos mas que, em nome das paixões religiosas de seus seguidores, que contaminam até aqueles que se consideram seguidores distanciados do "médium", são aceitos de maneira informal pelas pessoas.


O Brasil é um país jovem. Aqui há um acolhimento de fake news de tal forma que os apreciadores de notícias falsas acusam os outros de fazerem fake news. É aquela ideia da inversão de conceitos: num país em que a mentira torna-se "verdade", é a verdade que se transforma em uma "mentira", pelo simples motivo de que ela soa desagradável às convicções de certas pessoas.


As alegações que relativizam os problemas da obra de Chico Xavier usam como pretexto o fato de que "a antena psíquica falhou". A "culpa" acaba sendo dos "espíritos" que "não sabem se comunicar" com os vivos. É essa desculpa que permite que se tome como "legítimas" as modificações editoriais da "Federação Espírita Brasileira", em supostas psicografias já comercializadas, para tornar as ditas "mensagens espirituais" mais "compreensíveis" (sic).


Todavia, isso traz um grande problema: a desqualificação dos espíritos benfeitores a quem, supostamente, se atribuem as "mensagens espirituais". A "superioridade" fica com a FEB e Chico Xavier que, no entanto, trazem outro problema: seus partidários admitem que eles "também são imperfeitos e falíveis". Ou seja, mais visões terraplanistas dos "isentões" de plantão, que na "seara espírita" chegam mesmo a serem mais persistentes e ilógicos que muitos ditos "evangélicos".


Ou seja, em nome da blindagem a Chico Xavier, como uma espécie de "Aécio Neves do Cristianismo", chega-se mesmo a desqualificar os espíritos do além-túmulo, não bastasse ser duvidoso atribuir a eles as autorias "mediúnicas". Ou seja, não bastasse ser falsa a atribuição de que eles enviaram mensagens do além, há ainda a desqualificação dos mesmos, que supostamente necessitariam de "tradutores da Terra" para "levar a boa nova" para um grande público de pessoas.


Em todo caso, são alegações que, embora sejam compartilhadas por um número muito grande de pessoas e são aceitas por considerável número de representantes nos meios científicos, intelectuais e jornalísticos, a ponto de influir em narrativas oficiais, são desprovidas de qualquer lógica ou coerência e são uma afronta à Razão e até mesmo aos ensinamentos originais da Doutrina Espírita.


Ou seja, a única finalidade dessa confusão toda é blindar Chico Xavier. Trata-se de um sentimento obsessivo, tomado de paixões religiosas e fascinação doentia, mesmo disfarçadas de "admiração saudável e equilibrada a um homem bom". 


Exércitos de desculpas e grande repertório de argumentos falaciosos - entre os quais o vitimista argumentum ad passiones - são feitos para relativizar o que há de problemático na trajetória e na obra de Chico Xavier, por parte de seguidores e simpatizantes que preferem ver o Brasil se arruinar do que ver cair o mito do "bondoso médium". Kardec ficaria bastante envergonhado.