Adoração a Chico Xavier é fruto da imbecilização das redes sociais

 
Muitos críticos do "espiritismo" brasileiro precisam produzir textos questionando, com esforço de robusta argumentação, o mito de Francisco Cândido Xavier, o famoso Chico Xavier dos seus fanáticos religiosos. Se não lançarem esses textos, a falta de um questionamento faz reaparecer toda a idolatria ao deturpador do Espiritismo, com toda aquela mesmice piegas que evocam palavras soltas como "caridade", "bondade", "paz" e até mesmo as "profecias da data-limite", que estão para o "médium" assim como o sucesso "Evidências" está para Chitãozinho & Xororó, outro CX da mediocridade cultural brasileira.

Essa idolatria a Chico Xavier, que contraditoriamente já o definiu como "semi-deus" e agora busca o artifício enrustido de se autodefinir como "admiração natural a um homem imperfeito, mas bom", é fruto das mesmas condições psicológicas que permitiram a eleição de Jair Bolsonaro e fazem hoje boa parte dos reacionários enrustidos agora apoiarem Lula para evitarem levar a culpa do golpismo político e seus efeitos causados a partir de meados de 2015.

A adoração a Chico Xavier se dá por um conjunto de fatores. Podemos enumerar alguns deles que se tornam os principais:

1) As elites precisam endeusar um suposto símbolo de caridade, porque elas são incapazes de ajudar o próximo e precisam de alguma representação, embora, em verdade, Chico Xavier NÃO fez caridade, apenas distribuindo as doações dos outros, como qualquer astro de TV, por exemplo, também só "ajuda o próximo" se tornando a imagem que se apropria do trabalho de terceiros, feito uma cigarra se promovendo com o trabalho das formigas;

2) A obsessão provinciana de um Brasil tomado pelo complexo de vira-lata de querer ter um equivalente brasileiro a figuras como Jesus Cristo e Nostradamus, de preferência acumulando supostas atribuições, quase nenhuma delas reais. Daí tanto endeusamento a Chico Xavier, que desperta a reação furiosa (sim, é esta a palavra) de "patrulhas digitais" quando o "médium" é questionado em algum aspecto;

3) A educação da maioria dos brasileiros, mesmo aqueles que se autoproclamam "modernos", em abraçar uma religiosidade conservadora, velha, mofada, marcada por uma emotividade tóxica, porém com efeitos agradáveis e relaxantes enquanto não há uma contrariedade no caminho. Daí a simbologia de um "velhinho frágil de sorriso triste", que evoca um vitimismo que garante essa emotividade tóxica, tanto quanto uma também tão tóxica positividade, ao lado de valores simbólicos que, supostamente, estão associados à consolação, ao pacifismo, à caridade e a recuperação moral humana.

Esses sentimentos se respaldam em valores moralistas conservadores, que "repousam" no inconsciente até de pessoas que se dizem "de esquerda" ou se associam a algum contexto mais avançado, do ateísmo às causas identitárias. Chico Xavier sempre teve um repertório de ideias ultraconservadoras, não muito diferentes do que um Jair Bolsonaro defende, embora a retórica chiquista se apoie num discurso aparentemente não-raivoso e positivista, que faz até as esquerdas sociais dormirem tranquilas.

ÓDIO ÀS INSTITUIÇÕES

Nas redes sociais, a combinação de ideias ultraconservadoras com um modus operandi de aparente rebeldia, na qual a defesa da ideia de "disciplina" é severamente defendida para os outros, não para as próprias pessoas - cuja indisciplina é sempre justificada pela intervenção do "outro" - , leva o tom dessa fenomenologia da sociedade digital, que dá ao Brasil a falsa impressão de "modernidade de ponta". 

Por trás dessa máscara, se vê que a tecnologia digital não combateu, mas ampliou até as últimas consequências esse obscurantismo conservador, que permite até "linchamentos virtuais", com valentões da Internet e seus "robôs" induzindo até pessoas sem intenções ofensivas a participar de ofensas coletivas a pessoas discordantes, a ponto de apoiarem até a criação de blogs dedicados ao chamado "assassinato de reputação", incluindo o uso de dados e fotos pessoais relacionadas à vítima.

É um medievalismo que fez professores da Universidade Federal da Bahia, uma das instituições brasileiras que analisam a atuação das mídias digitais, definirem o que vivemos hoje como Idade Mídia. E como as pessoas, diante do gigantismo midiático, não conseguem ver as pernas desse gigante, embora estejam entre as mesmas, muitos não percebem que o poderio midiático não acabou, o culturalismo de hoje não é fluente como o ar que respiramos e que o povo, não bastasse ser ele mesmo uma "mercadoria" para as empresas de Big Tech (como Facebook), é também um "gado" a seguir modismos.

Daí que, diante desse parque de diversões que se tornaram as redes sociais e que criam ilusões diversas para especialistas - como jornalistas, acadêmicos e intelectuais que, seja por ilusão ou por alguma complacência digna da Espiral do Silêncio, que acham que nosso país vive "um bom momento", por acidente não diferindo do que Bolsonaro havia dito sobre o Brasil, que "apesar de tudo, está tudo bem" - , temos uma psique coletiva que vai contra as instituições.

Assim, no plano do institucionalismo à direita vemos as redes sociais "isentas" ou de esquerda ou pseudo-esquerda bradando contra corporações empresariais, a grande mídia empresarial brasileira, as seitas religiosas neopentecostais. No plano do institucionalismo em geral, vemos a direita ou a classe "isenta" desqualificarem os movimentos sociais, a música não-comercial (como o folk de Bob Dylan, o rock dos Beatles e a MPB autêntica da Bossa Nova e derivados), determinadas corporações empresariais, assim como também o Direito, a Justiça Social e o intelectualismo genuíno.

Com um elenco de "cancelados" pelos jovens atuais que vai de Gandhi a Paulo Freire, passando por Chico Buarque e Paulo Francis, Elis Regina e Karl Marx, toda essa ira de millenials digitais, que preferem exaltar mediocridades "gente como a gente" como subcelebridades, ídolos da música popularesca brasileira e frivolidades estrangeiras como o seriado mexicano Chaves e o conjunto sul-coreano BTS, vemos hoje uma espécie de "anarquia institucional", que motiva o Mal de Dunning-Kruger nas redes sociais.

Chama-se de Síndrome ou Mal de Dunning-Kruger uma doença psicológica na qual as pessoas ignorantes, até por não terem consciência da própria ignorância, se acham mais sábias e inteligentes do que realmente possui inteligência e sabedoria. Falando mais claro, é como se os estúpidos se achassem com mais sabedoria do que os sábios verdadeiros, pois para os estúpidos o melhor é o "saber sem aprendizado", porque "o aprendizado é algo inaceitável".

O ideal conservador já descreve o processo de aprendizado escolar como uma tirania. Então, se tornar inteligente ficou associado a um processo em que o professor é o tirano que, na desobediência eventual de um aluno - ainda que fosse uma coisa ingênua, como faltar uma aula para ir pescar - , lhe pune com surras ou com o confinamento, o que quer dizer que a inteligência está sempre associada a algo privador da liberdade, enquanto a burrice é que é "plenamente livre".

Para complicar as coisas, há a glamourização da ignorância humana pela mistificação religiosa, que sempre descreve os ignorantes como "verdadeiros sábios", fazendo a festa para quem aposta na mediocridade humana como um meio de ascensão social, sem esforço sequer do pensamento. A idiotização humana torna-se, então, um caminho mais fácil para o que acredita-se ser o "paraíso".

E aí vemos Chico Xavier que, embora fosse um escritor habilidoso, era intelectualmente medíocre, havendo, em seus inúmeros livros, erros históricos bastante grotescos. As próprias atribuições ao Jornalismo, História, Sociologia, Antropologia e Filosofia são bastante rasteiras, caricatas, mais parecendo paródias de "reportagens", "abordagens científicas" e "relatos históricos" que só soam plausíveis para um público médio que já é naturalmente desinformado das coisas.

Chico Xavier é a personificação da mediocridade humana, com aquele perfil rasteiro e repugnante, mas que alimenta e a complacência de uma sociedade que precisa cultuar supostos símbolos de humildade e caridade para que ninguém se esforce em ajudar o próximo. Fica próprio da zona de conforto cultuar Chico Xavier e defender um modelo paternalista e conservador de caridade, que não mexe nos privilégios dos mais ricos e traz promoção pessoal a supostos benfeitores.

Lembremos que Chico Xavier passou a vender sua imagem de "filantropo" a partir dos anos 1940, para acobertar suas fraudes literárias através do bom-mocismo. O que as pessoas se esquecem é que a suposta caridade - sobretudo quando o "benfeitor" nada faz por si só, apenas "distribuindo" as doações dos outros - pode servir de "carteirada" para que um oportunista religioso seja sempre isentado de todo tipo de erros, mesmo os piores deles.

A adoração de Chico Xavier é, por si só, tão idiotizada, que sem que seus seguidores saibam, ela reduziu seus 410 livros a uma parcela de memes que circulam nas redes sociais ao lado de alguns depoimentos do "médium" colhidos por entrevistas. Nem toda a obra de Chico Xavier, que envolve perversos ideais ultraconservadores, que evocam principalmente a defesa da precarização do trabalho (análoga à escravidão que, por ironia, teve Adolfo Bezerra de Menezes como um dos opositores) e a conformação com a desgraça humana, é liberada para as redes sociais.

A própria imagem do "médium" construída pela grande mídia desde a ditadura militar, "limpou" aspectos negativos como a defesa radical da ditadura militar (que lhe valeu uma condecoração da Escola Superior de Guerra, dando ao "médium" a suspeita de ter sido um colaborador estratégico da ditadura) e a participação de fraudes literárias, que vão desde o consentimento dele para as modificações de seus livros ditos "psicográficos" até assinar atestados (confirmados pela caligrafia) de fraudes de materialização e a cumplicidade nas fraudes da farsante Otília Diogo.

Criou-se uma imagem "limpa", agradável aos seus seguidores, e há um esforço para que essa imagem fantasiosa de Chico Xavier, que o define como uma "fada-madrinha para gente grande no mundo real", prevaleça, mesmo estando elas ao nível da idolatria das princesas da Disney, só que adaptada ao mundo adulto ou idoso.

Essa imagem, trabalhada pela Rede Globo para tentar salvar a ditadura militar, promovendo o mito "filantrópico" de Chico Xavier aos moldes que Malcolm Muggeridge fez de Madre Teresa de Calcutá, botou debaixo do tapete os aspectos preocupantemente negativos do "médium", de tal forma que ele é o único no qual a sociedade não mede escrúpulos para passar o pano nos piores erros por ele cometidos.

Ele participou de fraudes literárias, consentiu que modificações editoriais de seus livros fossem feitas, muito de sua suposta caridade não passou de artifícios para enriquecer os dirigentes da FEB e até mesmo a "ajuda ao próximo" não passou de um apelo barato para promovê-lo pessoalmente, assim como Luciano Huck hoje em dia.

Não havia uma mídia que fizesse contraponto à imagem de "fada-madrinha" que Chico Xavier goza hoje no imaginário dos brasileiros. E, com a mesma mentalidade rasteira das redes sociais, o "médium" é lembrado pelas falsas profecias da "data-limite", que a Codificação condena severamente.

Daí que os seguidores de Chico Xavier expressam esse contexto de idiotização cultural que permite sua idolatria, e as pressões que a Espiral do Silêncio faz para que pessoas com alguma lucidez tenham que embarcar no "Titanic" dessa idolatria que não tem medo de apresentar aspectos ridículos e ridiculamente piegas, além de uma forte hipocrisia: num dia Chico Xavier é "quase um deus", noutro dia ele é "um cidadão imperfeito que apenas era bom". Até aí a confusão mental prevalece.