Chico Xavier e a caridade como carteirada

 

CHICO XAVIER SE LIMITAVA A FISCALIZAR, E DE VEZ EM QUANDO, A CARIDADE DOS OUTROS.


Devemos prestar atenção na sutileza dos discursos. Em relação ao suposto médium Francisco Cândido Xavier, quando se fala o tempo todo que "ele pelo menos fez caridade" ou "ele errou, mas doou sua vida para o próximo", entre coisas semelhantes, devemos desconfiar de tamanha ênfase, que transforma a suposta caridade numa "carteirada", que é a mania de usar um atributo para se colocar acima das demais pessoas.


A suposição de que Chico Xavier "fez caridade" é sempre dita de maneira especulativa, no piloto automático, sem a menor preocupação em apresentar provas e dados. E isso quando não há os chamados "idiotas da Internet" que dizem que "a prova da caridade é o próprio médium" ou "o resultado da caridade já é o médium", porque isso reflete a tolice que a cegueira emocional pode causar em certas pessoas.


Fala-se no que normalmente se fala do "médium". Mesmo os números são extremamente vagos, se limitando a mencionar "centenas" e "milhares" de (supostos) beneficiados. "Ele ajudou muita gente" é o bordão mais falado do que qualquer bordão humorístico de uma esquete de maior sucesso. Não existe uma única preocupação em verificar números exatos, resultados eficientes ou coisa parecida. Tudo é aceito pela exaltação emocional. Fala-se qualquer coisa e todos vão dormir tranquilos.


Mas, verificando bem a coisa, constatamos que a "caridade" de Chico Xavier nunca foi mais que um mito, do que uma reles especulação. As poucas desculpas que tentam definir a "caridade" de Chico Xavier são ações que variam entre o oportunismo e as ajudas de caráter meramente paliativo, e sua estranha ênfase se dá porque a preocupação maior está mais em promover a reputação do suposto benfeitor do que em promover benefícios reais.


Em outras palavras, as pessoas carentes são só um "detalhe" e um "instrumento" para a blindagem pessoal de Chico Xavier. Se os pobres não superaram sua miséria, pouco importa. O que importa é a legitimação de um espetáculo filantrópico na qual o que mais vale é a adoração ao "médium", seja ela mais explícita e escancarada, seja a mais enrustida e travestida de "admiração saudável e um indivíduo imperfeito e bom".


RESULTADOS MEDÍOCRES E DOAÇÕES VINDAS DE TERCEIROS, NÃO DO "MÉDIUM"


Trata-se de um sentimento que envolve desinformação e cegueira emocional, que permite que muitas pessoas meçam o mérito da "caridade" pelo suposto benfeitor e não pelos resultados alcançados. E, além disso, os resultados da "caridade" de Chico Xavier, se realmente houveram, são muito medíocres.


Eram feitos todos os espetáculos, envolvendo caravanas, reuniões "espíritas", festejos também "espíritas" nos quais se pedia aos outros para doar mantimentos, remédios e outros utensílios (como higiene pessoal, incluindo sabonetes e cremes dentais, por exemplo). É aí que vem boa parte da farsa: Chico Xavier não doava coisa alguma, ele apenas "redistribuía" a "caridade" de terceiros, que já é meramente paliativa.


As doações só serviam para o atendimento temporário das carências do povo pobre. Esses donativos se esgotavam num espaço de, em média, um mês e meio, mas mesmo assim a comemoração dessas doações era celebrada pelo "meio espírita" meses após o esgotamento dos bens doados. E isso é muito grave, porque Chico Xavier era celebrado por "sua caridade" mesmo quando a fome e a doença retornavam para as residências dos miseráveis.


As pessoas não percebem o jogo do discurso. Exaltam um ídolo religioso pela suposta caridade, sem prestar atenção que eram elas mesmas que doavam e faziam tudo. Havia também os voluntários que faziam sopas, organizavam a distribuição dos donativos, cuidavam de doentes e órfãos etc. 


Chico Xavier nada fazia. Ele de vez em quando inspecionava as atividades, como um observador distante, e só. Mesmo assim, ele ficava com os louros, com as glórias humanas em torno de ações que ele não fez um segundo sequer.


Além disso, soa bastante patética essa adoração, enquanto as pessoas desprezam os próprios pobres, que não são reconhecidos senão como "bichos precisando de socorro", numa perspectiva ao mesmo tempo elitista e paternalista. 


Os pobres permanecem em sua situação social inferior e são sempre as mesmas pessoas carentes, que não mudam a cada ano ou temporada. E, se os pobres a serem atendidos continuam sendo os mesmos, é porque a "caridade" não funcionou.


ARTIFÍCIO PARA ACOBERTAR CRIMES


A grande armadilha discursiva que muitos não observam é que, se fala com exagerada ênfase que Chico Xavier "fez caridade", é porque ele realmente não fez. Isso não é difícil de entender, bastando se lembrar de um ditado popular: "Quem muito diz ser, é porque no fundo não é aquilo que se diz, porque quem realmente é não precisa ficar dizendo".


E, mesmo com alegações um tanto demagógicas e hipócritas de Chico Xavier em dizer que "não esperava retorno" e "fazia o bem sem olhar a quem", sua "caridade" foi muito mais um "dizer muito" e um "fazer muito pouco", isto é, quando se fazia. Ou melhor, uma "caridade" feita por terceiros, ações paliativas de resultados medíocres das quais os aplausos são muito maiores do que os benefícios trazidos por tamanho "espetáculo".


E nem falamos das supostas "cartas mediúnicas", uma grande farsa diversionista para distrair o povo pobre ou mesmo a classe média nos momentos de crise da ditadura militar (apoiada abertamente pelo "médium"). Além de terem fortes indícios (e provas) de fraudes, como o contraste entre as assinaturas "mediúnicas" e a caligrafia original nos documentos de identidade, e o uso da "leitura fria" nas consultas do "auxílio fraterno", as supostas cartas psicografadas de "entes queridos mortos" eram também um espetáculo muito perigoso de fascinação, obsessão espiritual e falsa consolação.


Sobre a falsa consolação, pergunta-se: diante do sofrimento de alguém que perdeu um ente querido ou teve sérias perdas materiais numa tragédia ou desastre, alguém teria coragem de lhe dizer, usando da positividade tóxica, que "tudo está bem" e que os falecidos "estão num lugar melhor"?


Normalmente, não se aprova procedimentos assim, que só servem para desprezar a dor alheia e causar mais perturbação e mal-estar quando se tenta fazer o sofredor acreditar que "tudo está bem". Não seria o prestígio religioso de Chico Xavier que atenuaria a gravidade de tão infeliz procedimento.


Usando a memória para lembrar fatos passados de Chico Xavier, nota-se que a "caridade" foi um artifício, uma "carteirada" para blindá-lo de práticas negativas que envolveram a falsidade ideológica da literatura fake "mediúnica", o apoio aberto às fraudes de materialização (tão rudimentares que eram registradas em máquinas fotográficas ruins para não realçar truques) e pontos de vista reacionários manifestos tanto na obra doutrinária quanto no apoio aberto ao golpe militar de 1964 e a ditadura dele resultante.


A própria obra doutrinária, fundamentada na Teologia do Sofrimento, revela que Chico Xavier, pelo contrário, se recusou a ajudar o próximo. Ao defender que os sofredores devam aguentar as desgraças calados e sem reclamar da vida, e ao defender práticas como o trabalho exaustivo e a renúncia radical ao prazer, isso prova que Chico Xavier se recusou a socorrer milhares de pessoas, diante da defesa de valores medievais, também associados a um moralismo punitivista dos mais retrógrados. E ele defendia esse moralismo compensando a defesa do sofrimento alheio com apelos de positividade tóxica, em suas ditas "lindas frases de sabedoria e lição de vida".


E é isso que faz com que o discurso de que "Chico Xavier fez caridade" fosse repetido como se fosse som de papagaio. Nada tem de provas a respeito e, se houve alguma prova, foi a de que o "médium" não fez caridade alguma. Tanto que Uberaba nunca passou de níveis medíocres de desenvolvimento urbano e humano, tendendo a piorar, como aliás piorou. E olha que se trata da cidade onde o "médium" é ainda mais cultuado, em todo o Brasil. Se nem orando para Chico Xavier ajudou, quanto mais a pretensa caridade que não trouxe resultado algum para os brasileiros?