Juízo de valor perverso e positividade tóxica derrubam imagem "bondosa" de Chico Xavier


A reabilitação de Francisco Cândido Xavier, o maior deturpador da causa espírita da História, ampliando e até superando os devaneios de Jean-Baptiste Roustaing, é uma grande preocupação nas redes sociais, por se tratar de um ídolo religioso ultraconservador cuja gravidade quase ninguém faz ideia.

Como Chico Xavier não adotou um discurso explicitamente hidrófobo - apesar dos surtos raivosos contra as esquerdas no programa Pinga Fogo da TV Tupi e dos comentários ríspidos contra os amigos do jovem engenheiro Jair Presente - , e, por isso, não há quem desenvolva uma desconfiança e um questionamento severos contra o "médium", apesar de até O Livro dos Médiuns reprovar práticas que estão associadas à trajetória do brasileiro.

Semiólogos, jornalistas investigativos, juristas, acadêmicos, todos expressam um silêncio omisso e criminoso em relação às irregularidades de Chico Xavier. Num tempo em que até as crianças se preparam melhor para a revelação de que Papai Noel não existe, além do fato de que todas as coisas merecem ser questionadas, o silêncio em relação a Chico Xavier e a fuga de qualquer questionamento contra seu mito revela uma grave irresponsabilidade de pessoas obsediadas pelo "médium".

Quando é a favor de Chico Xavier, valem até rumores e legitimação de ideias absurdas e contrárias à lógica e o bom senso. Se os "mortos", através de Chico Xavier, mudam de personalidade e de estilo, as pessoas fazem malabarismos teóricos para tentar explicar a possibilidade do sujeito deixar de ser ele mesmo quando volta para o mundo espiritual. Teses sem pé nem cabeça tentam explicar por que as personalidades dos "mortos" diferem do que eles haviam sido em vida.

Aí todo mundo fala, todo mundo manda mensagens nas redes sociais, as pessoas se animam a citar o "médium" com suas "lindas estórias", relatos que não passam de ficção para vender livros, supostas lições de "sabedoria" - na verdade, amostras de moralismo conservador, disfarçado por palavras dóceis - e até a duvidosa "profecia da data-limite" (prática previamente rejeitada pela Codificação) é evocada pelo rebanho de chiquistas alucinados (mesmo aqueles que se dizem "laicos", "ateus" e "não-sectários").

Quando se fala contra Chico Xavier, fora as explosões de raiva - por incrível que pareça, chiquistas são odiosos - , reina o silêncio omisso. Medo? Espiral do Silêncio? Tentativa de evitar bate-boca? Ou algum outro problema pessoal, como o potencial investigador que possui familiares devotos do "espiritismo à brasileira" que ele não pode desagradar?

Sobre a suposta caridade do "médium", as pessoas aceitam sem que houvesse prova alguma de sua prática. Ele, quando muito, apenas redistribuía as doações dos outros e doava terrenos, mas há quem diga que a "Federação Espírita Brasileira" enriqueceu muito com as vendas de livros de Chico Xavier (houve uma denúncia em 1969, mas ela foi abafada e a FEB arrumou para o "médium" editoras "pequenas" de fachada para forjar desvínculo com a federação).

E aí perguntamos: aqueles que poderiam investigar Chico Xavier não estariam recebendo alguma "ajudinha de custo" da FEB para ficarem em silêncio, apesar de fortes evidências ou mesmo de provas da irregularidade das práticas do "médium"? E por que, apesar do direitismo explícito e radical de Chico Xavier, ele continua recebendo o apoio de setores das esquerdas brasileiras, capazes de repudiar gente bem menos radical do que o "médium"?

BRASILEIROS IGNORAM ATÉ AS LIÇÕES DA CODIFICAÇÃO

Quando se questiona Chico Xavier, não se está fazendo ataques gratuitos ao "trabalho do bem" - se é que a suposta caridade do "médium" é idolatrada sem prova alguma que tenha certa consistência - , mas se está fazendo uma análise baseada em dois ensinamentos da Doutrina Espírita original:

1) "É melhor que um único homem caia do que todos aqueles que se sentirem enganados por ele";

2) "O que a Lógica e o Bom Senso reprovam, rejeitai corajosamente".

No caso da primeira frase, o Brasil a inverteu, criando a falácia de que "É melhor que um país inteiro seja destruído do que haver um único arranhão na reputação de Chico Xavier". Muita gente, dotada de fascinação obsessiva pelo "médium" e tomada de masoquismo doentio - com base nas pregações de seu ídolo calcadas na Teologia do Sofrimento - , prefere que os edifícios onde morem sejam destruídos pelas chamas, seus amigos e parentes mortos em acidentes de trânsito e todas suas vidas virarem ruínas do que Chico Xavier perder um por cento de seu destino.

Na segunda frase, o que se observa é que não há a tão recomendada rejeição. Há inúmeros aspectos da trajetória e obra de Chico Xavier que são verdadeiros acintes à Lógica e o Bom Senso, como as irregularidades profundas de sua obra "psicográfica", da qual há até mesmo a desonestidade intelectual de erros históricos, sejam referentes ao Império Romano, seja à História do Brasil.

RITA GUEDES - A atriz brasileira, conhecida por sua sensualidade, errou feio ao investir na positividade tóxica de uma frase banal e sem importância de Chico Xavier.

São aspectos que, em sociedades mais desenvolvidas, garantiriam a rejeição radical e definitiva, mas no Brasil há uma "vontade de passar pano" em Chico Xavier, ou seja, uma complacência generalizada, na qual se tenta explicar tais absurdos em vão, mas, quando isso não é possível, as pessoas se conformam, preguiçosamente, com a dúvida e a omissão. Ou seja, em vez da rejeição corajosa, há a aceitação covarde.

PERVERSIDADE EXTREMA

Tido como "bondoso", Chico Xavier tem exemplos de terrível perversidade. As pessoas não prestaram atenção na gravidade que foi, por exemplo, a condecoração ao "médium" pela Escola Superior de Guerra, oferecendo fortes indícios de que Chico Xavier foi, sim, um colaborador da ditadura militar, além de seu defensor radical - o "médium" teve coragem de defender até o AI-5 - , coisa da qual ele nunca demonstrou arrependimento, pois foi direitista até o fim da vida (foi até anti-petista) e acreditava que a redemocratização do Brasil era "uma vontade de Deus".

Dois exemplos podem ser descritos que contradizem a "indiscutível bondade" de Chico Xavier, e que podem surpreender mesmo quem parecia ser esclarecido ou ciente de tais questionamentos. Um se relaciona ao juízo de valor do "médium", em situação já descrita por várias páginas na Internet, mas que aqui merece uma análise mais aprofundada. Outra se refere à positividade tóxica de uma frase divulgada pela atriz Rita Guedes, conhecida pela imagem de sensual, apesar de muito talentosa.

Um exemplo se refere ao juízo de valor que Chico Xavier fez contra as vítimas de um incêndio ocorrido no Gran Circo Norte-Americano, em Niterói, no dia 17 de dezembro de 1961. Em 1966, no livro Cartas e Crônicas, o "médium" acusou as vítimas - mortos, feridos e sobreviventes - de terem sido "reencarnação" de romanos sanguinários que condenaram pessoas condenadas por inadimplência, escravos rebeldes e hereges religiosos a serem queimadas em praça pública, na Gália do Século II.

Essa é a única "colaboração" de Chico Xavier com a cidade de Niterói, que insiste em usar o nome dele para uma avenida em Piratininga, originalmente conhecida como "Avenida da Ciclovia". Começa a surgir uma campanha para retirar o nome do "médium" da avenida, baseada na campanha que fez tirar o nome do perverso coronel Moreira César de uma rua em Icaraí.

As acusações foram feitas sem qualquer tipo de fundamentação, conduzidas apenas por uma especulação moralista bastante severa. E, para tentar evitar levar culpa no julgamento, Chico Xavier - que agiu em contradição a uma recomendação bíblica que ele apoiava, "Não julgueis quem quer que fosse" - , cometendo o crime de falso testemunho, botou a acusação na responsabilidade de quem morreu 32 anos antes, Humberto de Campos, muito mal disfarçado pelo codinome "Irmão X".

A perversidade de Chico Xavier poderia ter dado em cadeia, como um segundo item da ficha criminal do "médium", que, embora fosse um crime diferente do outro - juízo de valor que produziria danos morais contra o outro crime, de falsidade ideológica contra o mesmo Humberto - , traria efeitos de reincidência criminal, dificultando a impunidade que sempre beneficiou o beato de Pedro Leopoldo e Uberaba.

Isso porque um caso semelhante produziu danos morais. Em 2009, o "médium" Woyne Figner Sacchetin, usando o nome de Alberto Santos Dumont, mestre da aviação, escreveu, em O Voo da Esperança, juízo de valor semelhante, mas direcionado às vítimas de um acidente com o avião do voo 3054, da TAM Linhas Aéreas (atual LATAM), no Aeroporto de Congonhas, em 17 de julho de 2007, que causou 199 mortos.

As vítimas foram acusadas também de terem sido romanos com sede de sangue que viveram na Gália do Século II. A acusação provocou danos morais e três famílias processaram Woyne, que teve que tirar o livro de circulação.

Chico Xavier, diante disso, teve o agravante, contra sua imagem de "bondoso", de que seu julgamento de valor foi direcionado às pessoas humildes, pondo xeque à reputação do "médium dos pés descalços". Woyne fez julgamento de valor a pessoas de elite, de classe média alta, que puderam ter noção do dano moral e condições financeiras para contratar um bom advogado e processar o suposto médium.

No caso de Chico Xavier, as pessoas humildes não tinham noção, até por sua baixa formação educacional, de que poderiam processar o "médium". Mas não tinham dinheiro para contratar advogados e tinham que apelar para a assistência jurídica gratuita, nove anos antes da regulamentação da Defensoria Pública.

Isso é extremamente grave. Pouco importam os defensores do "médium" alegarem que o juízo de valor era de um "espírito morto", que havia sido um alerta moral, uma "amostra da Lei de Causa e Efeito" ou coisa parecida. Tudo isso é inútil, diante do risco de danos morais expresso por tão perverso julgamento, de alguma forma vindo da iniciativa consciente e inescrupulosa de Chico Xavier.

Imaginem pessoas humildes, ao serem "informadas" de que eram "romanos sanguinários", passando a receber chacotas, boicotes de amigos, rompimento de amizades, brigas e traumas com tamanha alegação. Imagine um garoto que não vai brincar com os amigos porque eles o consideram um "romano piromaníaco", ou um "pé-frio" que vai sempre "queimar" (no sentido figurado ou, talvez, literal) a diversão da turma. Ou um trabalhador que quer ir ao circo com os amigos e eles o evitam, achando que ele "vai por fogo no circo".

A coisa se complicaria ainda mais para Chico Xavier porque as pessoas acusadas, além de pobres, eram em grande parte de etnias negras, índias e mestiças, o que pode ter um sabor racista na acusação, já leviana em seus aspectos gerais. E indica também uma perversidade do "médium" ao evocar uma suposta encarnação antiga, que, como se não bastasse tamanha especulação, ela remete a um século muito antigo, ao qual se supõe uma encarnação cujos males teriam sido há muito superados, se a tese de Cartas e Crônicas fizesse sentido.

Sobre a frase de positividade tóxica, ela foi publicada por Rita Guedes no seu perfil do Instagram. A frase, não bastasse ser simplória, piegas e desnecessária - "Deixe algum sinal de alegria onde passe" - , tamanho o sentido vago e superficial da palavra "alegria", ela revela uma positividade tóxica, que indica outro aspecto perverso da trajetória de Chico Xavier.

Chico Xavier foi um adepto fervoroso e radical da Teologia do Sofrimento, corrente radical do Catolicismo da Idade Média (introduzido no Brasil durante o período colonial). A ideia é sempre ver, na desgraça humana, um "caminho mais curto" para o "Paraíso". É a doutrina do "quanto pior, melhor", pois acredita que, quanto piores as desgraças humanas, quanto pior o prejuízo do sofredor, "mais perto" ele estará "dos braços de Deus".

Esse conceito de moralismo punitivista de Chico Xavier também pregava para os sofredores evitarem qualquer reclamação da vida, que aguentassem tudo calados e que não perturbassem a felicidade alheia. E aí o sádico "médium", capaz de ofender pessoas humildes com uma acusação infundada, pedia até mesmo para os sofredores ficarem felizes com sua própria desgraça, agradecerem a Deus e crer na ilusão de que "é só aceitar o sofrimento que ele vai embora". Só falta pedir para a pessoa acreditar que, ao se afogar em alto mar, basta imaginar que pode voar e iniciar o voo.

Pois é sob essa perspectiva maligna que a frase "Deixe algum sinal de alegria onde passe" foi dita. Uma positividade tóxica, que força uma "alegria" sem motivo, sem contexto, transmitida até para quem sofre muito e está triste.

Cometendo uma contradição, Rita Guedes publicou, duas postagens antes, uma foto com a designer Kathlen Romeu, que estava grávida e morreu assassinada por um tiro disparado por um policial numa comunidade pobre do Lins de Vasconcelos, Zona Norte do Rio de Janeiro. O crime comoveu todo o Brasil. Será que Rita aplicaria a "linda frase" de Chico Xavier para os familiares de Kathlen, traumatizados e revoltados com a perda violenta da jovem?

E quanto às famílias remanescentes das vítimas do incêndio no circo em Niterói? Também poderemos deixar "algum sinal de alegria" para eles, diante da memória do trágico incidente? Esse apelo é dotado da mais terrível e deplorável positividade tóxica, e é mais um aspecto deplorável a desfazer a imagem "bondosa" de Chico Xavier. Só não veem quem insiste em permanecer na cegueira das paixões religiosas e na doentia fascinação obsessiva em torno do "médium".