Como surgiu a imagem "fada-madrinha" de Chico Xavier?

 


A pessoa de Francisco Cândido Xavier, sob o famosíssimo codinome de Chico Xavier, repousa no imaginário de seus seguidores como uma "fada-madrinha" do mundo adulto e real. É uma imagem idealizada, fantasiosa, para a qual apenas qualidades positivas lhe podem ser atribuídas, e fazem com que Chico Xavier seja o único indivíduo considerado "intocável" pela realidade.


A verdade é que Chico Xavier nunca representou a meiguice e a doçura que tanto lhe atribuem. Nem as suas frases representam qualquer beleza que muitos dizem haver. Fora da imagem adocicada do "bom médium", ele era ranzinza, reacionário, traiçoeiro, resmungão. 


Muitos estranham ao definirmos Chico Xavier como resmungão, mas os piores resmungões são aqueles que não querem que as pessoas reclamem da vida com motivo. Para o "médium", o ideal é todo mundo ficar feliz à força e aqueles que enfrentam infortúnios têm que ficar calados e fingir que em suas vidas "está tudo muito bem".


As frases de Chico Xavier nunca passaram de jogos de palavras, de contrastes baratos, que temperam pregações moralistas medievais, que só mesmo a confusão mental da maioria dos brasileiros - perdidos entre serem conservadores ou modernos - consegue deixar passar. E a atual moda do "gente como a gente" teve que tirar Chico Xavier do pedestal e, no lugar do antigo "médium semi-deus", se tem agora o "médium que errou muito mas ajudou a divulgar a Doutrina Espírita".


E como surgiu essa imagem de "fada-madrinha do mundo real" que mantém Chico Xavier na eventual adoração de seguidores e admiradores, mesmo os supostamente ateus e os distanciados de toda espécie (dos "não-espíritas" aos ditos "de esquerda")? Não foi vontade divina que promoveu essa imagem, mas uma colaboração direta e indireta de pessoas, em seu tempo, muito "vivas", como diz a metáfora.


MÉTODO MALCOLM MUGGERIDGE


Devemos lembrar que o perfil que Chico Xavier possui no imaginário brasileiro atual foi construído há cerca de 45 anos. Antes disso, ele era apenas uma figura pitoresca que, apenas em caráter local, o Estado de Minas Gerais, tinha valor religioso, porque, fora do território mineiro, Chico Xavier era só um indivíduo bizarro que se dizia "paranormal".


Até na aparição, em 1971, no programa Pinga Fogo, da TV Tupi, Chico Xavier aparecia como uma figura exótica, não sendo o "filantropo" que a posteridade o consagrou. Ele era mais conhecido pelas controvérsias que provocava, incluindo sérias acusações de fraudes - confirmadas com um trote que o famoso repórter José Hamilton Ribeiro, fez para a revista Realidade, em novembro de 1971, fez ao "médium", incluindo o pedido de "psicografia" de um morto fictício - e opiniões do mais profundo reacionarismo.


A imagem de Chico Xavier que permanece no imaginário popular foi construída pela Rede Globo de Televisão, no período ditatorial. Era uma narrativa importada de Malcolm Muggeridge, que criou um discurso para promover a reacionária Madre Teresa de Calcutá como um pretenso símbolo da bondade humana, uma falácia que engana até setores das esquerdas brasileiras, as chamadas "esquerdas namastê".


Essa narrativa é capaz de criar supostos símbolos de caridade em moldes bastante conservadores, representando um modelo de "ajuda ao próximo" que, do contrário que se diz, não traz transformações profundas na sociedade. Essa "caridade", a que se dá o nome de Assistencialismo, se limita a ações meramente paliativas que, sem combater a pobreza totalmente, apenas diminui os efeitos drásticos, tornando a vida dos miseráveis "suportável". 


É uma mentira que essa "caridade" simbolizada por Madre Teresa e Chico Xavier sejam transformadoras de vidas. Ela apena alivia o sofrimento humano, mas em vez de trazer a verdadeira qualidade de vida, com dignidade e prosperidade, se limita a evitar os efeitos extremos da miséria, mas mantendo a essência da vida miserável em quase todos os aspectos.


A narrativa dessa "caridade" serve mais para glorificar os supostos "benfeitores", a partir dos dois religiosos, criando mais idolatria a eles do que benefícios aos mais necessitados. Estes são tratados quase que como animais domésticos, mas não são conhecidos pelos nomes nem pelo caráter humano. Eles apenas são como "figuras amorfas" que apenas recebem os donativos que não são os "filantropos" que trouxeram, mas seus seguidores mais abastados.


Daí a farsa. Chico Xavier não doou sequer um fio de sua peruca para ajudar o próximo. A imagem de "caridoso" ele sempre alimentou, como desde há 19 anos se alimenta postumamente, da doação alheia, como uma cigarra que se promove com o trabalho das formigas.


Tudo isso só serve para que o "médium" desfile pelas redes sociais da Internet através de suas frases piegas, de sua campanha mistificadora, marcada pela positividade tóxica de aceitar o sofrimento e fingir que tudo está bem.


Não se trata de adorar alguém digno de admiração verdadeira e não se fala aqui do cidadão "gente como a gente" a que Chico Xavier se rebaixou nos últimos anos, como um arranjo discursivo para blindá-lo fora dos clichês da histeria religiosa.


Isso se demonstra quando os seguidores e simpatizantes de Chico Xavier alardeiam de que "não são espíritas", uns se dizendo seguidores de "outras crenças", outros se proclamando "ateus", tudo para dar a impressão de que quem gosta do "médium" é "isentão" e desprovido de quaisquer comprometimentos de âmbito ideológico ou religioso.


Mas eles mantém toda a imagem de "fada-madrinha" de Chico Xavier, ainda que ele tenha que ser retirado, ao menos momentaneamente, do seu pedestal. A idolatria cega, tomada pela fascinação obsessiva (um tipo perigoso de obsessão espiritual), continua havendo, mas ela é enrustida e disfarçada por qualquer artifício de "isenção". Isso pouco importa em efeitos práticos, porque o fanatismo e a mistificação continuam ocorrendo, até em quem diz apenas "sentir uma admiração saudável" ao "médium".