Para pessoas pobres, "espiritismo" brasileiro é insignificante e inútil

SOFRENDO DE POBREZA EXTREMA, OS SEM-TETO SE MULTIPLICAM NAS DIVERSAS CIDADES BRASILEIRAS, COMO NO CASO DE SÃO PAULO.

As narrativas que prevalecem e predominam na chamada "opinião pública", compartilhadas e difundidas pela maioria das pessoas, correspondem a uma visão de classe média, de pessoas abastadas e cuja visão intelectual segue padrões difundidos e planejados por empresários de rádio e televisão, artífices do suposto imaginário popular que se vê com grande frequência nas redes sociais.

Através dessa constatação, vemos que a legitimação pública do "espiritismo" brasileiro que, apesar de seus escândalos, não consegue ser alvo de denúncias, investigações nem inquéritos, goza de grande respaldo, apesar do número oficial de adeptos não ser mais do que 2% da população brasileira.

Quem difunde a "boa reputação" do "espiritismo" brasileiro são pessoas que estão bem de vida, vivem num conforto luxuoso aparentemente mediano, mas com o gozo típico das pessoas de elite, ou, pelo menos, de uma classe média que deseja ter o padrão de vida das pessoas ricas, ainda que de forma menos ostensiva.

Embora evoquem, em palavras fáceis, valores em tese vinculados à "humildade" e tenham uma suposta consciência da pobreza humana, essas pessoas não conhecem a realidade do povo pobre, que é bem diferente do papel de "miseráveis obedientes" do imaginário "espírita" ou dos "pobretões ingênuos" do imaginário da música popularesca, em especial o "funk".

Sobretudo no que diz ao "espiritismo" brasileiro, autoproclamado a "religião da caridade", os pobres veem com muita desconfiança e até com certo repúdio, enxergando o oportunismo de seus supostos benfeitores, que além de não darem a ajuda necessária para combater de verdade a pobreza, ainda prega para os oprimidos segurarem a barra, não se sabe até quando, trazendo ainda mais aflição e revolta para quem sofre miséria há muito tempo.

A realidade do povo pobre é mais dramática do que o espetáculo fácil da caridade paliativa sugere. E vemos que, nos bastidores da festa filantrópica, que parece ajudar mais os "benfeitores" lhes forjando bom-mocismo, do que os mais necessitados, a coisa é muito pior.

Os pobres, descontentes e desalentados, desconfiam da caridade religiosa. Famílias vão para esses eventos quase que a contragosto, preparadas para obter, entre um donativo correto e outro raramente valioso, roupas rasgadas ou manchdas, alimentos de marcas ruins e remédios com prazo de validade vencido, entregues sob os sorrisos esnobes dos "bondosos de ocasião".

O "espiritismo" brasileiro, como doutrina, também nada diz ao povo pobre, a não ser coisas piores. As ideias de Francisco Cândido Xavier, fundamentadas na Teologia do Sofrimento, corrente mais radical do Catolicismo medieval, irritam o povo pobre, não servindo jamais de consolação.

Os pobres sabem os motivos. Aguentar a desgraça em silêncio, fingir que tudo está bem, não reclamar da vida apesar das adversidades que crescem e se multiplicam sem controle, perdas irreparáveis se acumulando e até mesmo o sono noturno é dominado pelo medo de ser morto por algum criminoso, pistoleiro ou miliciano, tudo isso mostra que as ideias de Chico Xavier nada dizem para os pobres, sendo feitas apenas para quem, na classe média, sofre de masoquismo religioso.

O sadomasoquismo da fé, através da Teologia do Sofrimento, é um punhal nas mentes dos oprimidos. Fácil os religiosos, que mais parecem servir aos opressores do que aos oprimidos, embora se digam intermediários entre eles, dizer para o outro aguentar o pior sofrimento. De maneira sádica, Chico Xavier dizia para os oprimidos "sorrirem e agradecerem a Deus" no momento da desgraça, sob a desculpa de que, ao "agradecer pelo sofrimento, ele logo passa".

E quando se perde entes queridos, será que "agradecer o sofrimento" vai trazer de volta, ao convívio terreno, aquele ente querido que morreu de uma tragédia repentina? Não. Sorrisos irão cicatrizar as feridas que sangram? Não. A grana perdida vai ser restituída e a dívida perdoada pela enésima vez, se sorrirmos para a nossa desgraça? De jeito nenhum.

A ponta da faca não fica mais macia porque sorrimos e agradecemos a Deus. A fé não cria pontes de bonança em abismos de perdição, por mais que digamos "Graças a Deus por eu ter sofrido demais". A Teologia do Sofrimento mostra sua verdadeira hipocrisia, porque essa corrente, tão cheia de discursos bonitos, é na verdade uma apologia da desigualdade humana, pedindo para que os oprimidos fiquem satisfeitos com sua desgraça e os opressores, perdoados pelos seus abusos muitas vezes mortais.

Os pobres sabem muito bem dessa hipocrisia. Não aceitam serem tratados como trouxas pelo discurso melífluo da Teologia do Sofrimento, que já enganou as esquerdas brasileiras por sua narrativa imitar, ainda que de forma grosseira, o tom progressista da Teologia da Libertação.

A desculpa de que "é preciso ter paciência de Jó para suportar o sofrimento, porque um dia ele passa" não possui aplicação prática, porque, na realidade, os pobres continuam vivendo da pobreza por tempo indeterminado, enquanto as elites, sobretudo os filantropos de ocasião, ajudam pouco ou quase nada os mais necessitados, mas reivindicam para si mesmas o maior número e a maior duração de aplausos.

Ficamos imaginando como as famílias já reclamam dos eventos filantrópicos. Mães chamando seus filhos para ir a uma instituição tal, receber sempre aquela quantidade medíocre de roupas, remédios, mantimentos e utensílios de higiene pessoal e limpeza. Doações feitas com muita festa, mas que se esgotam, nas famílias miseráveis, em poucas semanas, enquanto as comemorações por esta suposta caridade são festejadas por meses e anos.

O "espiritismo" brasileiro, que leva essa hipocrisia filantrópica às últimas consequências, reflete esse desprezo aos pobres, que leva seus seguidores e "tarefeiros" (os funcionários das "casas espíritas") a ajudarem pouco, mais preocupados em ver no povo pobre um "depósito de lixo" dos bens que as elites não querem mais. Aquela camiseta fora de moda, aquele remédio velho esquecido no armário do banheiro, e o curto dinheiro que permite comprar poucos pacotes de feijão e arroz com marca barata e ruim, que fazem um feijão sem gosto e um arroz que mais parece pasta de tão grudados seus grãos.

Mesmo quando tentam caprichar na "caridade", as elites não fazem muito. E os pobres não se sentem consolados. Existe uma foto de Chico Xavier com uma fila de mulheres pobres que se mantém tristonhas e submissas, enquanto o "médium" goza de superioridade com um sorriso de terrível orgulho, como se fosse um paxá.

A classe média que praticamente monopoliza os pontos de vista e as abordagens feitas nas redes sociais e no imaginário oficial da opinião pública é que tentam desmentir tudo isso. Mas diante dos pobres que são obrigados, através dos "ensinamentos" de Chico Xavier, a viver uma "paz sem voz", aceitando resignados a própria desgraça, essa narrativa de pessoas bem de vida não faz o menor sentido, e dá uma pena haver muitos "textões" que tentam afirmar a classe média "espírita" ou "espiritualizada" como "amiga dos pobres", porque é muito palavreado com muita desculpa e nenhuma sinceridade.

O adorno das palavras dóceis não mata a fome dos pobres, que sempre estão desconfiados desse filantropismo de espetáculo, porque o que está em jogo não é a melhoria de vida dos mais necessitados, e sim a promoção pessoal de alguns "eleitos" da classe média, que são por ela glorificados por causa dessa festa do bom-mocismo que, realizada há séculos, nunca conseguiu resolver de verdade o problema da pobreza humana.