Péssimo hábito de leitura permite obras mistificadoras como as de Chico Xavier


O Brasil vive uma situação social e culturalmente degradante. Com a violência explodindo em toda parte e até o meio-ambiente sofrendo queimadas e abrindo caminho para grandes tempestades - como a recente tempestade de areia que atingiu até mesmo o reduto de Francisco Cândido Xavier, o Triângulo Mineiro - , além das crises econômicas preocupantes e do aumento estarrecedor da população de rua, é ainda mais assustador ver que muitos acham que o Brasil está "uma maravilha".

Sentados no conforto de seus quartos em apartamentos caros e compartilhando a Internet e a vida em sociedade com uma parcela de outros privilegiados de comportamentos e opiniões afins, essas pessoas acham que o Brasil está "social e culturalmente próspero", iludidos com a alta produtividade nas redes sociais e na suposta oferta de cultura diversificada que ilude até mesmo os mais especialistas, iludidos com a "paz social" nos feudos modernos das "bolhas culturais" existentes.

Essa narrativa é predominante e dificulta que as pessoas saiam do conforto de ouvir músicas melhores, ler livros melhores, ver filmes e programas de TV melhores. Porque "tudo que está aí" já é "melhor" e que o que cabe fazer é "romper o preconceito" e acreditar que até a cultura farsante dos fenômenos comerciais - que, só na música, vai do pop sul-coreano (k-pop) à pisadinha do Nordeste brasileiro - é "a maravilha das maravilhas".

No mercado literário, é preocupante a permanência em zonas de conforto dos livros que não oferecem um pingo de contribuição ao Saber. A desculpa, muito comum e verossímil, de que as pessoas preferem "ler para relaxar", vendo apenas o lado da leitura de livros como um entretenimento, acaba atrofiando suas mentes, a ponto de mostrar uma obsessão de fuga da realidade, quando preferem "analisar" os problemas fictícios que envolvem sagas de estudantes-vampiros e jovens cavaleiros medievais.

LITERATURA ANESTESIANTE

A teimosia das pessoas em boicotar livros que mostram o verdadeiro Conhecimento - em muitos casos, investindo numa análise crítica da realidade atual - , em benefício de obras consideradas "relaxantes" e "construtivas", é preocupante, de tal forma que estimula uma produção de livros de qualidade duvidosa que, em grande quantidade de tiragem, ocupam as listas dos livros mais vendidos de cada mês em todo o Brasil.

A produção é tanta que são esses livros que, passada a "fogueira de palha" do sucesso literário, caem depois no esquecimento, engrossam os estoques de "livros de promoção" com preços baratos nos sebos literários, pegando poeira porque, passado o modismo, os livros se tornam insuportáveis de ler, quando está descartado aquele apelo publicitário que, de forma artificial, deixou esses livros "muito atraentes".

Há um mercado literário desigual no qual os autores que mais vendem livros não precisam ganhar tanto dinheiro. E ganham. Obras literárias banais, que vão desde os dramalhões fáceis de meninas adolescentes até os costumeiros livros de auto-ajuda - alguns mascarados de "coach administrativo", incluindo o recente modismo dos "títulos-palavrões" - , acabam vendendo tanto que seus autores, já milionários, se tornam ainda mais ricos.

Só o que autores de medíocres ficções medievais - arremedos jogados no papel de sinopses caricatas que soam imitações ruins de seriados como Walking Dead e Game of Thrones - arrecadam com as vendas de seus livros no Brasil garante a compra de uma riquíssima mansão em Hollywood ou pagar um décimo do preço de um castelo situado numa região nobre na Europa.

Enquanto isso, autores que precisam sobreviver de qualquer maneira e precisam reforçar a renda financeira em suas vidas particulares não veem um sinal de exemplar vendido de seus livros. E olha que vários autores divulgam propaganda de seus livros nas redes sociais, no Linkedin, e tudo o que conseguem é o apoio hipócrita das curtidas de seus companheiros nesses ambientes digitais, sem que isso refletisse no desejo de comprar o livro do referido autor.

É uma grande hipocrisia, mesclada com medo, que faz com que as pessoas boicotem livros da literatura independente que se comprometem com o Saber autêntico. Esse medo se dá porque os autores emergentes não estão ligados a algum "pistolão" literário nem são contratados por uma editora de considerável projeção.

E mesmo quando esses livros independentes custam mais barato e suas páginas envolvem muito texto, o público leitor médio prefere pagar muito mais caro ara colecionar sagas medíocres de ficção medieval, que, somando textos com fontes altas e grande espaçamento entre parágrafos e linhas, mais as páginas de ilustração e em branco, oferecem ainda um conteúdo literário bem inferior ao que a quantidade de páginas pode sugerir, o que faz, por exemplo, com que livros de 270 páginas tenham até mesmo o conteúdo textual presumível para metade de suas páginas.

OBRAS DE MISTIFICAÇÃO (CHICO XAVIER ESTÁ DENTRO)

A extrema ignorância e a cegueira social que predomina nas redes sociais - com a obsessão doentia das pessoas em ficarem em suas zonas de conforto sócio-culturais, a ponto de se revoltarem contra uma sugestão de ruptura dessa situação - faz com que o mercado literário brasileiro, em que pese sua aparente diversidade de obras e narrativas, a sugerir uma suposta liberdade de escolha e uma aparente busca por obras literárias de qualidade, seja considerado um dos piores do mundo.

E isso se dá porque o público literário médio anda muito viciado, lendo as mesmas obras anestesiantes, que não acrescentam coisa alguma ao conhecimento humano, e servem apenas para surfar em cima de escritores que surgem do nada mas que viram "sucesso absoluto" por ganchos que vão desde uma recomendação de uma atriz badalada no Instagram até o sucesso comercial mundial de sempre.

As pessoas não se deixam levar pela curiosidade e preferem a zona de conforto de confiar sempre no mesmo nível indigente das obras em questão, até aceitando conhecer autores emergentes que, todavia, estejam nesse contexto de literatura anestesiante ou possuem algum apelo social que vai da presença de um "pistolão" mais consagrado ou o fato de que, em portais como o Clube de Autores, o autor seja alguém muito conhecido pelas centenas de amigos nas redes sociais.

A própria ideia de Conhecimento, nessa sociedade conformada que acha que o Brasil "vive uma ótima fase", é bastante confusa, sendo um grande engodo que inclui moralismo conservador, misticismo esotérico, falsa filosofia e mania de ficar dizendo frases supostamente motivadoras. Coisas que estão muito mais próximas da mistificação do que de qualquer convite ao verdadeiro Saber.

E um precedente disso está nos próprios livros de Chico Xavier, verdadeiras obras de mistificação cujo conteúdo, explicitamente medieval, são fundamentados pela Teologia do Sofrimento. A própria natureza de suas obras, que envolvem uma atribuição fake de pretensos autores espirituais - é notória a disparidade de aspectos entre as "obras mediúnicas" e o que os alegados autores espirituais representaram em vida - , é bastante duvidosa para merecer tamanho sucesso de vendas.

Para piorar, os 400 livros de Chico Xavier representam uma prática que a Doutrina Espírita original condenava com severidade: a atuação de indivíduos escrevinhadores, que exploram o "balé das palavras" com muito palavreado e muita verborragia para impor pretensa superioridade intelectual e envolver seus leitores no perigoso abismo da fascinação e da fé cega.

O Espiritismo original considera que os espíritos escrevinhadores, encarnados ou desencarnados, são considerados mistificadores e situados em níveis bastante baixos de evolução espiritual. Isso significa que eles têm que compensar esse baixíssimo nível moral usando suas relativas inteligências para o mal, explorando pretensas "palavras de amor" e "mensagens sublimes" para oferecer mistificação e dominar as pessoas incautas e ingênuas.

CONVÉM ROMPER COM ZONAS DE CONFORTO

Especialistas em literatura aconselham que é necessário puxar os leitores comuns para leituras mais diferenciadas, saindo de zonas de conforto de uma literatura meramente lúdica e frequentemente mistificadora.

A intolerância do público com obras emergentes que não façam parte do establishment literário e vão contra o nível temático e intelectual predominantes no mercado literário brasileiro faz com que se discriminem ideias que poderiam esclarecer problemas sócio-culturais diversos. Mas isso significa criar insegurança e fazer com que as pessoas percam a sua "paz social" com a leitura de obras que provocariam um "terremoto mental" ao derrubar conceitos e totens estabelecidos.

Mas isso é necessário, principalmente para um público em parte com considerável formação universitária e algum nível de cultura, mas que se irrita quando é aconselhado a sair da mesmice das mesmas obras de ficção barata e de auto-ajuda, mesmo quando um dia se rendem a largar as obras badaladas quando elas deixam de ser moda e passam a tornar os sebos de livros, nos seus estoques de obras vendidas a preços baratos, verdadeiras lixeiras literárias.

Seria bom que, se não for a grande mídia ou o mercado dominante, através de seus formadores de opinião, aconselharem o público a ler obras diferenciadas, isso deveria ser a missão de internautas mais esclarecidos, em seus canais no YouTube e Instagram, para oferecer autores independentes e narrativas diferentes de "tudo que está aí", sem no entanto apelar para as fake news, até porque o mercado literário dominante mais receptivo para autores farsantes do que para novos e verdadeiros escritores.

Daí que o mercado de livros estimula mais a atuação de um Rodrigo Constantino ou Olavo de Carvalho, ou precedentes como o próprio Chico Xavier com suas palavras melífluas mas só tidas como "sábias" para um público ignorante, conservador e servil, o que faz com que a leitura de livros seja um processo que não interfere para combater o emburrecimento preocupante da maioria das pessoas. Esse péssimo hábito de leitura já permitiu que se elegesse uma figura como Jair Bolsonaro e pode jogar os brasileiros num abismo pior ainda, pela profunda indiferença ao verdadeiro Saber.