Amauri Xavier: um "vulcão adormecido" prestes a voltar a explodir


Aparentemente, o caso Amauri Xavier está superado e judicialmente prescrito. Supostamente não há motivos para reabrir o caso e o viciado hábito dos religiosos de passar panos quentes em certos assuntos, sob o pretexto do "perdão", permitem isso, ainda mais quando se trata da idolatria de Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier, tio do jovem falecido e figura religiosa das mais blindadas, como uma espécie de "tucano" dos religiosos.

Desculpas não faltam para deixar "enterrado" o caso Amauri Xavier:

1) O caso ocorreu em 1961, portanto, há seis décadas, sendo um tempo muito distante para reabrir qualquer investigação;

2) Vários envolvidos diretos e indiretos no caso já morreram. Mesmo o tio, Chico Xavier, faleceu há quase vinte anos, em 2002;

3) É difícil haver possibilidade de arrumar testemunhas para trazer novas revelações sobre o episódio;

4) O lobby da "Federação Espírita Brasileira" não permite investigações que comprometam o mito confortável de Chico Xavier, visto como uma "fada-madrinha" do imaginário popular brasileiro.

No entanto, é bastante estranho que Chico Xavier, de forma direta ou indireta, se aproveite da morte do sobrinho para construir seu caminho arrivista de pretensa santidade. Consentir com o provável sacrifício da vida de alguém que impediria a ascensão vertiginosa de Chico Xavier à idolatria religiosa e à "santidade" improvisada pela fascinação obsessiva de seus devotos e até de simpatizantes tidos como "distanciados" e "isentos" (vários se dizendo "não-espíritas") causa muita desconfiança.

Afinal, a carreira de Chico Xavier teve vários casos de incidentes que foram contornados mais pelo recurso do "jeitinho brasileiro" do que pela vocação natural da tal "santidade". Há provas de cumplicidade de Chico Xavier na farsa ilusionista de Otília Diogo, entre 1963 e 1964, mas elas só foram reveladas tardiamente em livro pelo fotógrafo Nedyr Mendes da Rocha, em 1979. 

Nove anos antes, Otília foi desmascarada, mas Chico Xavier (depois visto "entusiasmado" e "informado" demais da farsa de sua parceira, como se fosse um dos autores do embuste da pseudo-materialização) foi beneficiado pela impunidade, em 1970, a ponto da mesma revista O Cruzeiro, que descobriu a farsa da ilusionista e a reconstituiu, usando uma modelo, para explicar o crime, passou pano no "médium" publicando mensagens atribuídas a Emmanuel, em 1971.

Chico Xavier tem aspectos muito sombrios em sua trajetória, mas o poderoso lobby que o cerca impede que investigações sérias sejam feitas sobre qualquer um desses aspectos. Em vez disso, o que se vê é uma profusão de teses acadêmicas constrangedoras e até risíveis, que contrariam até mesmo qualquer princípio de objetividade nas abordagens científicas. Principais exemplos:

1) Roberta Wagner tentou fazer vista grossa com o envolvimento de Chico Xavier com o coronelismo local de Uberaba, além de tentar forçar a associação do "espiritismo" brasileiro aos movimentos progressistas contra a ditadura militar, sem mostrar qualquer fundamento a respeito, mencionando a expulsão de "espíritas de esquerda" pelo "movimento espírita" de forma vaga;

2) Ronaldo Terra, em tese vergonhosamente subjetiva, alegou que Chico Xavier "defendeu a ditadura militar" porque o "médium" era "santo", imaginando uma teoria sem um pingo de lógica a respeito da condecoração do religioso pela Escola Superior de Guerra, imaginando um irreal oportunismo da instituição militar em torno do "carisma do médium" e supondo que o "médium" defendeu os militares "para não ser preso". Ora, se Chico Xavier quisesse salvar sua pele, ele teria pedido asilo em outro país;

3) Alexandre Caroli Rocha alegou que uma leitura simples das obras atribuídas ao "espírito Humberto de Campos", em comparação com as que o escritor maranhense produziu em vida, são "insuficientes" para atestar problemas na "autenticidade mediúnica". Contrariando exigências da abordagem científica, Caroli Rocha prefere deixar a tese "em aberto", esperando procedimentos que o "movimento espírita" se recusa a fazer, que é analisar a atividade da "comunicação com os espíritos", que em Chico Xavier apresenta irregularidades bastante grosseiras;

4) Ana Lorym Soares teve em mãos as revelações de um esquema de "alterações editoriais" das supostas psicografias de Chico Xavier que Amauri Xavier iria revelar, mas a historiadora passou pano, ao acreditar na tese fajuta e sem fundamento de que as "mudanças editoriais, mesmo depois de lançadas as obras 'mediúnicas', teriam sido feitas "para tornar as psicografias acessíveis aos leitores comuns".

São casos muito graves de blindagem acadêmica à pessoa de Chico Xavier, pois são teorias que evitam manifestar o senso crítico, atuando em complacência com os erros e irregularidades do "médium", apostando em explicações mal feitas, que diante do raciocínio lógico seriam facilmente desmontadas.

A VERDADE, DOLOROSA, SEMPRE VEM

O exemplo do apoio de Chico Xavier à ditadura militar, a ponto da ESG fornecer espaço e cerimônias para homenagear o "médium", sinaliza para aquilo que a boataria injustamente atribuiu ao cantor Wilson Simonal mas que, no caso de Chico Xavier, torna-se uma revelação assustadoramente surpreendente: a de que o "médium" foi, sim, um colaborador estratégico do poder ditatorial e da manutenção da ditadura militar no Brasil.

As pessoas que cultuam Chico Xavier - a ser lembrado, em 2022, pelos vinte anos de falecimento - fazem vista grossa para esses erros. Para piorar, mesmo pessoas dotadas de algum esclarecimento intelectual sucumbem a essa terrível tentação, movidos pelo mito de "fada-madrinha do mundo real" que sustenta Chico Xavier há, pelo menos, 45 anos, e o faz mais blindado do que a soma dos chamados "caciques tucanos", como são conhecidos os líderes do PSDB, cujo um dos integrantes, Aécio Neves, foi um dos últimos que visitaram o "médium" e dele recebeu até apoio político.

O que os adeptos de Chico Xavier - alguns se escondendo sob o pretexto do "apoio distanciado", alardeando estranhamente de que "não seguem o Espiritismo" - ignoram é que a verdade dos fatos sempre surge, apresentando aspectos desagradáveis que podem pôr em xeque qualquer ídolo que goze de uma momentânea unanimidade.

Pode ser o mais adorado ídolo, podem ser os artifícios que o blindam com insistência ferrenha, segurando sua imagem agradável durante muito tempo. Mas chega um dia em que revelações podem derrubar mesmo os totens mais sólidos, os ídolos mais protegidos por um gigantesco e variado lobby de religiosos ao lado de jornalistas, juristas e acadêmicos, entre outros agentes em tese investigadores.

O caso João de Deus é ilustrativo. O suposto médium e latifundiário goiano João Teixeira de Faria, que havia sido colaborador de Chico Xavier, foi denunciado por diversos crimes, que envolvem até mesmo mando de assassinatos, porte ilegal de arma, exercício ilegal da medicina, charlatanismo e até crimes sexuais. E o "fogo amigo" do jornal O Globo mostrou Chico Xavier passando pano nos crimes de João de Deus, oferecendo-lhe um casarão (a hoje Casa Dom Inácio de Loyola) como escudo para a atuação criminosa do pupilo.

Imagine o que deve ressurgir (e irá ressurgir, com certeza), no caso de Amauri Xavier, que em seu tempo, depois que decidiu denunciar em 1958 as fraudes do tio e do "movimento espírita", foi alvo de uma campanha caluniosa, e isso um ano depois que seu tio Chico Xavier abafou um processo judicial recorrente dos herdeiros de Humberto de Campos ao atrair o filho homônimo do escritor maranhense para ser enganado e iludido num evento religioso em Uberaba comandado pelo "médium".

Amauri Xavier, após denunciar as fraudes do tio, foi tratado de maneira ofensiva e rancorosa do "movimento espírita", que costuma jurar ser "incapaz de odiar o pior inimigo". Amauri foi alvo de calúnias e invencionices, desmoralizado como se fosse um cachorro vira-lata expulso de um mercado, e teria sofrido agressões físicas e morais num sanatório de Sabará e, solto por talvez não se ajustar à rotina do hospital psiquiátrico, teria sido enganado por um falso amigo que o teria envenenado em 1961.

A história de Amauri Xavier é tão mal-contada que até os sobrenomes foram trocados em certas fontes, sendo creditado como "Amauri Pena Xavier", quando, pelas regras brasileiras de sobrenomes, se coloca o sobrenome da mãe (Maria Xavier, irmã de Chico) primeiro e, no final, o do pai (Jaci Pena).

A "Federação Espírita Brasileira", cujo presidente, Antônio Wantuil de Freitas, é suspeito de mandar matar Amauri, apenas emitiu nota lacônica "lamentando o falecimento do jovem", cuja causa foi atribuída a uma hepatite. A medicina aponta que, em casos de envenenamento, podem ocorrer efeitos de hepatite tóxica.

Amauri é uma espécie de "vulcão adormecido" que os adeptos de Chico Xavier torcem para que seja para sempre extinto. Mas, como todo vulcão que parece extinto mas continua ativo, ele um dia pode sofrer uma explosão devastadora. A trajetória irregular de Chico Xavier, que de maneira vergonhosa faz seus seguidores não se decidirem se o "médium" é "espírito de luz" ou "homem imperfeito e endividado", esconde dados muitíssimo estranhos que, se revelados, podem representar a "segunda morte do médium", aniquilando seu mito de maneira traumática para quem gosta dele.

E é isso que as pessoas têm medo de ocorrer. E muitos oram em torno da blindagem ao "médium", pedindo para que nenhum dissabor arranhe a confortável figura do "médium fada-madrinha", mas os fatos não conseguem ser escondidos durante muito tempo.

A exemplo do que ocorreu com o documentário estrangeiro What Happened, Brittany Murphy, do HBO Max, que narra os últimos dias da falecida atriz Brittany Murphy, e que demoliu a imagem de "gentleman amoroso" do marido Simon Monjack, também falecido, o que se espera de futuras investigações em torno de Chico Xavier pode derrubar toda a tradição de "panos passados" nas sujeiras do "médium" que foram postas debaixo do tapete.

A própria campanha difamatória e ofensiva a Amauri Xavier, já advertida pela revista Manchete de 09 de agosto de 1958, já traz um ponto estranho e sangrento na trajetória confortável do suposto médium Chico Xavier, que por trás do mito e da narrativa oficial que apontam um "sujeito bondoso e humilde", revela aspectos vergonhosamente sombrios que devem, sim, serem trazidos à luz para a opinião pública.

Esforços para evitar que esses fatos venham à tona, movidos por um emaranhado de desculpas, deixarão de ser infalíveis, uma vez que alguma testemunha ou algum herdeiro ou companheiro de quem viveu ou conheceu Amauri Xavier pode trazer alguma revelação desagradável sobre Chico Xavier, de forma contundente e chocante. Diz o ditado popular que a verdade, quando encontra as portas fechadas, entra pelas janelas ou, quando estas também se fecham, por qualquer abertura que encontrar.