Maioria dos usuários de Internet é conservadora

OS AVÓS PEDIRAM A QUEDA DE JOÃO GOULART. SEUS NETOS APOIAM LULA ABERTAMENTE. MAS, EM COMUM, É A MESMA CLASSE MÉDIA QUE ODEIA O PENSAMENTO CRÍTICO E OS DEBATES PROFUNDOS.

A baixa repercussão de muitos textos publicados na Internet que põem em xeque valores socioculturais estabelecidos, com a cara feia de muitos que se arriscam em ler, parcialmente, textos que vão contra suas convicções pessoais, consolidadas há cerca de 50 anos, faz com que o chamado senso comum de hoje seja praticamente um monopólio de uma classe média relativamente flexivel, mas em essência bastante conservadora.

Desde que se desenhou um caminho que se evoluiu do reacionarismo aberto da burguesia que queria a saída do presidente João Goulart, deposto por um golpe militar em 1964, para o apoio aberto e incondicional ao presidente Lula, se viu todo um caminho em que sempre uma mesma elite tomou as rédeas do Brasil, sempre defendendo benefícios limitados para os pobres e vantagens abusivas para os ricos, ainda que essa visão seja mascarada por um pretenso ativismo social.

Trata-se de uma mesma Casa Grande que, em primeira hora, apoiou o "espiritismo" brasileiro, surgido em 1884 já escolhendo Jean-Baptiste Roustaing como seu Codificador, mas, como é de praxe num país marcado por dissimulações, Allan Kardec era formalmente apreciado até hoje, sem que suas ideias fossem corretamente seguidas.

São as mesmas elites detentoras do poder financeiro, mas num escalão mais moderado, a classe média, descrita num conceito novo trazido pelo sociólogo Jessé Souza, que trouxe uma nova abordagem da História que permitiu os formadores de opinião repensarem o golpismo politico de 2016. Só que na vida não se dá saltos, e esses formadores de opinião não tiveram um lampejo de conscientização social, antes uma limitada mudança de abordagem social, dentro dos limites do etnocentrismo paternalista.

O conservadorismo social sempre foi a norma da Casa Grande, e, mesmo quando mudanças haviam ocorrido ao longo do tempo, sua essência permaneceu a mesma. Num passado relativamente recente do Brasil, a classe média militou nas marchas da família que pediram um golpe militar para tirar João Goulart, presidente alinhado à esquerda, em 1964.

Deposto Jango, as "elites do atraso" - termo criado por Jessé Souza para definir essa classe social - , dez anos depois, em 1974, começaram a "desenhar" um sistema de valores marcado por uma glamourização da pobreza, um processo de mediocrização artístico-cultural e um sistema de vantagens sociais que permitisse à própria classe média usufruir de privilégios exorbitantes.

Este sistema de valores, que, por ironia, culminou nos esforços de manutenção dessa estrutura no atual governo Lula - quando os descendentes dos golpistas de 1964 alertavam a seus pais e avós que não era mais necessário combater um projeto politico de esquerda, mas deturpá-lo - , quando a manutenção dos valores consagrados durante a ditadura militar teve uma desculpa sutil: tudo aquilo que não significasse "ódio" seria mantido em pé.

Por isso vemos o conservadorismo reinando nas redes sociais, mesmo quando foi descartado, pelo menos como força social influente, o reacionarismo escancarado dos bolsonaristas. Temos agora um conservadorismo "civilizado" mas preocupante, pois se trata de uma classe média que, através do seu apoio ao governo Lula, desenvolve sua megalomania a partir de um processo de fazer a economia crescer através de um padrão sociocultural marcado pela mediocridade.

"DONOS DA VERDADE"

O que preocupa nesse sistema de valores - que já considerou, em 2018, o bolsonarismo como um "mal necessário" - é que, juntamente com o desmonte do legado de Jair Bolsonaro, está sendo desmontado, por ironia, o que havia de culturalmente relevante e progressista que teve seu apogeu durante a redemocratização nos anos 1980 e que reeditava as formas da democracia janguista de pensar o Brasil.

Soa estranho, mas de repente a sociedade que se proclama "de esquerda" começa a repudiar e rejeitar nomes relacionados a valores culturais que remetem à capacidade de se emocionar naturalmente ou de exercer o pensamento aprofundado e o senso crítico. Com isso, tanto a Bossa Nova quanto os debates do antigo Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) passaram a ser desqualificados pelos formadores de opinião de hoje em dia.

Enquanto isso, o pensamento dos tecnocratas do "milagre brasileiro" do auge da ditadura militar se repaginavam e, encontrando a geração do desbunde do pós-Tropicalismo, estes absorvendo também a precária cultura do brega, criaram um sistema de valores em que os jovens são entregues ao mais obsessivo hedonismo festivo, enquanto os mais velhos se consolam pela religiosidade abertamente conservadora, mas assistencialista e de fala suave e macia.

Com as conveniências sociais marcadas pelo pretexto do crescimento econômico fundamentado numa paz social em que "soa desagradável questionar demais as coisas", recomenda-se a positividade tóxica, a prática de acreditar sempre que "está tudo bem" e não apontar erros mesmo quando eles existem.

A precarização cultural dá o tom das redes sociais e do uso da Internet, pelo qual se nota que a sociedade brasileira é moderadamente conservadora, até certo ponto relativamente progressista, mas eventualmente dotada de surtos reacionários.

Embora não se confundam com a extrema-direita bolsonarista, a classe média conservadora mantém valores restritivos nos quais a pobreza humana é vista, agora, não mais como um problema social crônico, mas como uma "identidade social" considerada "viável" com atendimento de algumas demandas econômicas e estruturais - Bolsa Família, saneamento básico, rede elétrica e Internet 5G - e de entretenimento, como o estímulo à expressão dos fenômenos musicais culturalmente precários e inspirados pela cultura radiofônica controlada por oligarquias regionais.

Com isso, a classe média não precisa mais pagar sua dívida social de mais de quatro séculos para resolver a pobreza e a exclusão social, podendo recorrer apenas ao assistencialismo e ao respaldo financeiro e técnico para tornar a miséria "mais suportável", reproduzindo na vida real o perfil exageradamente alegre e festivo dos "pobres" que aparecem nas comédias e novelas na TV.

Essa classe média se acha a "dona da verdade", não gosta de ser contrariada, vive o seu pretenso "iluminismo", defendendo valores que reconhecem imperfeitos, mas apoiados com unhas e dentes mediante argumentos diversos, sempre relacionados à suposta "paz social" da estabilidade construída desde os tempos da ditadura militar e o jogo de interesses que movimenta financeiramente as forças sociais envolvidas. Ou seja, envolvem lucro e enriquecimentos de gente muito influente.

RELIGIOSIDADE

Esta análise mostra o quanto se construiu um senso comum e um sistema de privilégios que faz com que a maioria dos consumidores de Internet é de classe média, moderadamente conservadora e que, portanto, apresenta uma forte resistência a textos dotados de profundo senso crítico e análises também aprofundadas. Daí que muita gente evita ler textos com muito senso crítico, que ultimamente encontram dificuldade de repercutir na Internet para esclarecer muita gente.

A ideia, trazida desde os tempos do neoliberalismo midiático da década de 1990 - como a Folha de São Paulo - , é enfatizar textos curtos, linguagem coloquial demais (com gírias decididas não mais pela vida social comum, mas por executivos de mídia, como a palavra "balada" para referir a agitos noturnos, e barbarismos como "doguinho", "lovezinho" e "snackzinho") e, principalmente, descartar o senso crítico, de preferência tratando a vida como se tudo já estivesse bem.

No mercado de trabalho, a regra é alternar entre a meritocracia, exigindo experiência no setor privado e, no setor público, criar concursos públicos prolixos demais que fazem com que as instituições estatais não conigam contratar os profissionais desejados, pois se reclama que os aprovados nessas provas ou são gente apadrinhada pelo poder político ou por "atletas de provas" que conseguem ser aprovados, mas quando trabalham só ficam reclamando da profissão que conquistaram.

Na religiosidade, que destoa até da aparente modernidade das redes sociais, o fanatismo é notório, com a exaltação de seus símbolos e dogmas, num claro conservadorismo no qual o "espiritismo" brasileiro entra pela porta a frente, se valendo da reputação de uma "água com açúcar religiosa" que faz muita gente inclusive famosos, recorrerem às frases piegas do obscurantista Chico Xavier para enfeitar postagens no Instagram, Facebook e outras plataformas.

O terraplanismo não-bolsonarista não admite que a adoração a Chico Xavier seja fruto de pessoas alienadas ou ignorantes, mesmo quando se revelam os aspectos macabros de sua trajetória, que inclui até suspeitas da forma como seu sobrinho Amauri Xavier foi morto. A classe média do atual governo Lula ainda tem um gosto por fake news, mas desta vez com "mensagens cristãs" trazidas por mensagens "inéditas" atribuídas a famosos já falecidos.

O que é preocupante é o nível de megalomania e arrogância dessa classe média que não suporta ler textos com "excesso" de senso crítico, que prefere se manter nos privilégios abusivos - como desperdiçar a grande grana que possuem para consumir cerveja em grandes quantidades nos fins de semana - , sua mediocridade cultural e seu obscurantismo religioso e impor esses valores para o resto do mundo.

Pessoas já falam da combinação perigosa será e de um país culturalmente medíocre e megalomaníaco dominar o mundo, tendo como religião o "espiritismo" brasileiro que, com toda sua fachada de "modernidade, humildade e racionalidade", nunca passou de uma repaginação do antigo Catolicismo da Idade Média. 

Será a volta do Império Bizantino e território brasileiro, o que será uma grande catástrofe social. Não para a classe média que sempre se manterá em seus privilégios e os aumentará abusivamente, ironicamente pegado carona no apoio incondicional ao governo Lula.