Crueldade funcional: como o "espiritismo" brasileiro deseja o mal ao próximo


"Se você não vem por amor, virá pela dor". A frase parece dócil mas ela é dotada de uma evidente perversidade chantagista, sendo uma declaração de ameaça trazida pelo "espiritismo" brasileiro, por conta de sua hipócrita atitude de fingir que não quer obrigar as pessoas a seguir essa religião, mas fazer um jogo psicológico de imposição e de ameaça para atrair fiéis na marra.

Quem abandonou a religião "espírita" reclama de ainda sofrer provações, não bastasse a fase de adesão ao "espiritismo" brasileiro ter sido uma fonte de azar e infortúnios bastante pesados. Mesmo apóstata - termo que significa aquele que abandonou uma crença religiosa - , o ex-adepto do "espiritismo" brasileiro, não raro, vive como se fosse refém da religião, ainda sujeito aos mesmos infortúnios e dificuldades surreais, como se a pessoa fosse um personagem de um drama literário de Franz Kafka.

Dificuldades financeiras acima dos limites e de solução quase impossível. Estresse constante. Adversidades pesadas e difíceis de suportar. Tentativas de superação que geram em fracassos sem fim. Tudo isso é sofrido pelo desafortunado da sorte sem que ele deseja e com ele tentando fazer de tudo para obter sorte na vida.

A pessoa se torna "refém" do "espiritismo" brasileiro como os apóstatas das Testemunhas de Jeová e da Cientologia também se tornam em relação a essas seitas. É como se os apóstatas ainda vivessem um pesadelo sem fim, com as respectivas religiões criando dificuldades de emancipação, rogando energias maléficas na tentativa de capturar novamente as "ovelhas desgarradas" aos seus rebanhos.

E por que isso ocorre? Talvez algum familiar que se mantenha apegado ao "espiritismo" brasileiro possa eexercer essa influência infeliz, na boa-fé. E isso é consequência de uma atitude que poucos conseguem compreender, que é a "crueldade funcional", uma postura de religiões que dependem do prejuízo do desventurado para forjar a pretensa caridade religiosa.

"SÓ EU SOU O BONZINHO, A HUMANIDADE É QUE É MÁ"

A crueldade funcional se expressa não por uma crueldade evidente nem uma perversidade declarada. A crueldade funcional é quando a pessoa, para tentar fazer uma pretensa caridade, com o objetivo de parecer boazinha para a sociedade, depende do prejuízo alheio para desempenhar sua suposta "ajuda ao próximo". 

Trocando em miúdos, é quando uma pessoa precisa do prejuízo e da desgraça do outro para agir supostamente em auxílio a quem sofre, embora os resultados benéficos neste caso não existem para os desafortunados ou, se existem, são precários ou posteriores a um dano extremo, como, por exemplo, a pessoa perder um ente querido por uma tragédia repentina como suposta condição para obter sucesso na vida, o que lembra muito os "sacrifícios humanos" das velhas seitas rituais de tribos primitivas que vivem ainda em estágios brutais de humanidade.

A psicologia engenhosa das religiões, incluindo a "espírita", tem como fundamento a ideia pretensiosa de que os religiosos é que são os "bonzinhos", enquanto a humanidade é "má" e por isso precisa "pagar pelo que deve", sofrendo adversidades pesadas por conta de supostas dívidas morais que, na verdade, não são mais do que o mero juízo de valor da religião, tomada de um terrível complexo de superioridade.

Mesmo quando o "espiritismo" crie manobras discursivas, fingindo admitir imperfeições e erros aqui e ali - o que faz a festa do "isentão espírita", espécie de resposta "kardecista" ao influencer Monark - , nota-se esse complexo de superioridade. Nota-se que o pregador religioso sempre deseja o mal do próximo porque isso é matéria-prima para sua pretensa caridade. Em outras palavras, o religioso depende do prejuízo alheio para "ajudar o próximo".

Num país com desigualdade consentida, preservada, apoiada e até blindada como o Brasil, em que, de um lado, pessoas cometem abusos sem que as circunstâncias lhe impusessem algum limite, restrição ou consequência drástica, e, de outro, pessoas sofrem adversidades sem fim, mesmo quando recorrem a simpatias, rituais, orações e súplicas para se livrar desses infortúnios, o "espiritismo" brasileiro demonstra a sua perversidade por trás de um discurso macio e um ar falsamente paternalista.

O apóstata do "espiritismo" brasileiro, mesmo rompendo com a doutrina brasileira, ainda é perturbado por circunstâncias infelizes, que o impedem de resolver seus problemas mais graves. Pensamentos negativos ainda lhes perseguem, iniciativas em busca de superação fracassam, sugestões maléficas em troca de vantagens fáceis são "imaginadas" por influência de obsessões espirituais ainda remanescentes.

Isso ocorre porque o sujeito que abandona o "espiritismo" brasileiro trocou a "doutrina do bem" pelo "vazio maléfico" de estar longe desta religião? Nada disso.

O que acontece é que as próprias energias remanescentes do "espiritismo" brasileiro, influentes devido ao apego de entes queridos a essa religião, ainda incomodam aqueles que querem se libertar desse flagelo religioso, de maneira a continuarem sendo prisioneiros das adversidades que o próprio "espiritismo", por suas energias maléficas e nocivas, havia trazido quando os apóstatas ainda eram adeptos desta seita.

O destino tenta arrumar situações para aprisionar os desafortunados na mística "espírita" das provações pesadas, como uma tentativa vibratória de tentar trazer de volta os escravos da fé "espírita", através da dor do infortúnio sem fim. É uma operação de sequestro, que se agrava quando o "espiritismo", religião de conteúdo moralista medieval, e blindado pela sociedade, mesmo por aqueles que criticam os abusos de seitas religiosas menos verossímeis, como as seitas evangélicas "neopentecostais".

E como resolver essa situação? Talvez fosse necessário que denúncias contra os abusos do "espiritismo" fossem feitas. Quem é ligado a essa religião deveria evitar usá-la para "orar" pelos entes queridos, porque isso é como rezar para a raposa proteger as galinhas.

O "espiritismo" não é denunciado porque as narrativas que envolvem o sistema de valores geral do Brasil de hoje é monopolizada por uma sociedade conservadora, de classe média, muito bem de vida para achar que os sofredores que não compartilham dos privilégios abusivos dessa sociedade tenham que sofrer infortúnios sem fim, sendo inútil qualquer arrependimento.

Essa sociedade, que ainda exerce o poder no Brasil, determinando o que deve ser pensado, acreditado, curtido etc, se ascendeu no período do "milagre brasileiro", época em que o mito de Chico Xavier se fortaleceu através de uma campanha financiada pela ditadura militar e pelo latifúndio do Triângulo Mineiro e veiculada pela mídia empresarial.

É essa sociedade que apoiou a "democracia controlada" do governo do general Ernesto Geisel que monopoliza o "bom senso" e é a única que atua como formadora de opinião geral e dominante para o povo brasileiro. E é por isso que o obscurantismo moral do "espiritismo" brasileiro, que traz energias maléficas que aprisionam os desafortunados, só beneficiam pessoas conservadoras, egoístas e dotadas de privilégios abusivos. 

E se tem gente sofrendo demais na vida, é porque, por outro lado, tem gente que abusa nos seus benefícios sem ter mérito para isso. São os contrastes próprios de um sistema desigual da retrógrada sociedade brasileira, ainda presa nos conceitos medievais que permitem fenômenos como o "espiritismo" brasileiro e são oriundos do culturalismo trazido pelas forças dominantes do Brasil colonial.