"Espiritismo" brasileiro é reflexo da sociedade conservadora e religiosa que assola o Brasil


O Brasil é uma sociedade ultraconservadora, até mesmo quando tenta não ser. Sociedade altamente religiosa, com sistema de valores retrógrado e culturalmente atrasada, a sociedade brasileira mantém seus vícios ideológicos diversos, que se tornam cruciais para um quadro social em que a desigualdade social é um mal considerado sem cura, pois ninguém quer acabar com as condições que perpetuam essa doença humana.

O maniqueísmo fácil entre lulistas e bolsonaristas mostrou esse quadro conservador, depois que o atual governo Lula decepcionou as forças progressistas com episódios como a aproximação com o Centrão - que influiu na constrangedora demissão da ministra dos Esportes, Ana Moser - e com a negociação de um "plano para os trabalhadores" entre o presidente Lula e o presidente dos EUA, Joe Biden, lembrando a formalidade hipócrita dos sindicalistas pelegos fazendo acordos com o empresariado para trazer fracos benefícios para o proletariado.

O Brasil não é um país moderno nem progressista e o que se tentou fazer de modernidade e evolução foi desfeito pelo golpe de 1964. Há queixas de que muitos valores originários do auge dos "anos de chumbo", como a bregalização na música brasileira e o próprio "espiritismo" brasileiro através do mito de Chico Xavier (recentemente blindado na forma de responsabilizar equivocadamente Allan Kardec pelos erros exclusivos dos deturpadores brasileiros), são tratados hoje não como um lixo sociocultural, mas como pretensas relíquias de um saudosismo de mentirinha difundido pela grande mídia e pelas redes sociais.

Na verdade, vivemos a supremacia de uma pequena elite de brasileiros que, se aproveitando de seus privilégios abusivos  - ganham dinheiro com facilidade para gastar com supérfluos como viajar para Europa e ter automóveis de grande porte e coisas nocivas como estocar cervejas e cigarros - , detém o controle do sistema de valores socioculturais, da distribuição injusta de benefícios, da blindagem de abusdores que não ameacem a "paz social" de quem tem dinheiro demais para coisa nenhuma.

Essa sociedade, alternando entre o sagrado e o profano, inclui pessoas que acham que fumar cigarro é "a melhor coisa da vida", que passam madrugada adentro perturbando a vizinhança ao rirem alto, tomando cerveja e jogando conversa fora. São fanáticas por futebol que não suportam ver gente que não se identifica com este esporte. São pessoas que se "revezam" entre um hedonismo abusivo e irresponsável e o obscurantismo da fé religiosa.

NÃO SÃO "O POVO"

Essa parcela da sociedade, que estabelece o sistema de valores, hábitos, costumes, crenças, gírias, o que deve ser ouvido, apreciado, idolatrado, a agenda de assuntos a ser apreciada etc, se fantasia de "povo", se aproveitando da pretensa "invisibilidade" social, que a faz parecer "isenta" e "democrática" a olho nu, permitindo que essa elite não só consiga ser considerada "dona da verdade e do bom senso" (assumida não no discurso, mas na forma de tratamento na sociedade), como tem esperança, embora na prática em vão, em estabelecer sua supremacia até mesmo no resto do mundo.

Essa elite, de classe média - variando entre o "pobre remediado" que segue os padrões estereotipados das novelas da TV, e o famoso rico com muito dinheiro mas sem poder para decisões político-econômicas dos níveis de um Banco Central - , tenta se passar por "pessoas comuns", de maneira com que seus valores privativos se tornem "naturalizados" e criem um padrão de comportamento e conduta que alcance até mesmo quem deseja ser diferente do gado social que predomina nas mídias digitais.

Portanto, essa elite flexível mas, mesmo assim, bastante restrita, não pode ser confundida com "o povo", com "a espécie humana". É apenas um grupo social pequeno, uma pequena bolha social que fala gírias televisivas como "balada" (no sentido de agitos noturnos) e "galera", pratica hábitos estranhos como jogar comida fora e endeusar o cigarro, e sonha em ganhar dinheiro sem ter a menor noção do que vai gastar, a não ser o que é supérfluo (como comprar grandes quantidades de cerveja, por exemplo).

No âmbito religioso, essa sociedade é, no mínimo, "temente a Deus". Preferem acreditar na tese, sem fundamento científico até agora, de que o universo é controlado por uma figura que, na prática, não é mais do que lendária (Deus), uma alegoria de um suposto idoso, geralmente roliço, dotado de barba e cabelos brancos, considerado "a origem de tudo" e definido como "o Criador".

Originária dos temores dos homens pré-históricos devido às tempestades naturais - sim, a religião tem origem troglodita - , a religiosidade desempenhou, principalmente na Idade Média, um sistema de valores punitivista, garantidor das desigualdades sociais que devem ser mantidas, para que assim os religiosos de plantão possam agir em fingimento, através do bom-mocismo, se passando por "caridosos" para "aliviar a dor" dos oprimidos sem no entanto tirá-los dessa situação.

A própria elite finge tanto essa falsa caridade, que acaba fingindo para si mesma, na medida em que acaba acreditando que os pretensos caridosos "vivem de ajudar o próximo", daí a obsessão doentia em creditar a Chico Xavier algo que ele nunca fez de verdade em momento algum: a caridade.

Pelo contrário, Chico Xavier foi um dos que mais negaram a ajuda ao próximo, pois, através de suas obras literárias, creditadas aos "fakes do bem" das falsas autorias espirituais, sempre pregou para o oprimido e desafortunado aguentar as desgraças, em grande quantidade e gravidade, sem que se permita a sorte oferecer alguma salvação. 

O "médium" chegou a comparar a apologia ao sofrimento - baseada na corrente medieval Teologia do Sofrimento que, através do Livro de Jó, na Bíblia, cunhou o termo "holocausto" que integrou, séculos depois, a violência nazista - a um misto de prova com gincana escolar, aconselhando as pessoas a aguentar os piores infortúnios na esperança de obter as incertas e duvidosas "bênçãos eternas", desculpas para uma parcela não-privilegiada da sociedade continuar sofrendo sem ver a luz no fim do túnel.

A religiosidade envolve várias seitas, mas é o "espiritismo" brasileiro a sua pior manifestação, pois é a que mais se serve da hipocrisia doutrinária. Tida como "humilde", "moderna" e "racional", o "espiritismo" brasileiro contraria tais premissas, pois em sua prática, o que está explícito nas ideias de Chico Xavier, Divaldo Franco e companhia, são ideias do mais apodrecido obscurantismo medieval, como se os "médiuns" ainda estivessem vivendo nos tempos do imperador Constantino.

Mas mesmo as demais religiões também não resolvem as neuroses humanas e o Brasil, escravizado pela fé religiosa, não consegue agir por conta própria. A fé religiosa chega a fazer travar ou dificultar o progresso urbano de bairros como Casa Verde, em São Paulo, carente de transporte e diversidade comercial, e a dupla Rio do Ouro / Várzea das Moças, em Niterói (RJ), alvo de queixas na Internet pela falta de interesse em construir uma rodovia num terreno ocioso entre os dois bairros. Casa Verde foi cenário de novela "espírita" e Várzea das Moças conta com um "centro espírita" instalado no lugar.

Atividades científicas também são prejudicadas pela religião, pois esta se arroga a oferecer respostas em seus dogmas prontos, dos quais não é preciso raciocinar para legitimá-los. Com isso, há curandeiros sendo bem-sucedidos, verdadeiros ilusionistas psicológicos da multidão carente, oferecendo coisas como a "água do Rio Jordão" e feijões e joias "milagrosos", pelos neopentecostais, e as "cirurgias mediúnicas" dos "espíritas". Em contrapartida, cientistas chegam a paralisar atividades por falta de dinheiro para investir em material e mão-de-obra para testes, muitos deles arriscados.

MORALISMO PUNITIVISTA

A religião cria um repertório moralista punitivista que estabelece padrões meritocráticos. Cria uma sociedade desigual, separando ricos e pobres, obrigando os pobres a se conformarem com sua situação, caso contrário a revolta popular passa a ser creditada como "banditismo", sob pena de repressão policial, prisão e até morte.

Esse sistema de valores retrógrado acaba influindo até no mercado de trabalho que, salvo exceções, não contrata os profissionais certos, um sistema de concursos públicos que não aprova os concursados desejados, e até um sistema de loterias que premia as pessoas erradas, deixando à deriva quem mais precisa de um prêmio lotérico para pagar as contas e ter uma sobrevivência com um mínimo de dignidade.

A religião está destruindo o Brasil porque, entre uma infinidade de coisas, está protegendo o sistema de desigualdades sociais mascarada pelo fingido espetáculo do bom-mocismo da "caridade" que só ajuda os filantropos de ocasião. A crença em Deus torna-se justificativa para um sistema hierárquico injusto na pirâmide social, em que os "de cima" cometem abusos e os "de baixo" sofrem adversidades sem fim, mesmo após o remorso e mesmo mediante preces desesperadas. E os "de baixo" são obrigados a aceitar sua situação sob pena de, agindo em revolta, sejam creditados como "bandidos" e banidos do convívio social pela prisão ou morte.

É a partir dessa presumida divinização de um hipotético "senhor do universo" é que os abusos que envolvem de empresários a feminicidas (estes tomados de atribuições meritocráticas do patriarcalismo religioso medieval) são socialmente aceitos. 

Também a religiosidade empresta seu misticismo fundamentalista para assuntos laicos, como, no Rio de Janeiro, foi a pintura padronizada nos ônibus em suas cidades e a adesão, em tese, de uma simples emissora de rádio, a Cidade FM, ao rock, fenômenos exaltados por multidões fanáticas na Internet que os veem como "milagres sagrados". E isso sem falar do fundamentalismo do futebol que traz um clima de intolerância, violência ou transe psicológico de fazer inveja a qualquer guerrilha do Oriente Médio.

Como a vida não dá saltos, há religiões recomendadas para quem ainda tem muito medo de abandonar a religiosidade: a Igreja Católica, as igrejas evangélicas Batista e Prebisteriana, as religiões populares como as de origem africana e o Islamismo e as crenças hindus. Também se recomendam crenças de origem chinesa ou japonesa, incluindo a contemporânea Seicho-No-Iê.

No entanto, por incrível que pareça, não se recomenda o "espiritismo" brasileiro, por conta de seu infinito histórico de hipocrisia. Apesar de agradável, a religião "espírita" é uma máscara que, no Brasil, se usou para a repaginação do obsoleto Catolicismo medieval que se vende como uma falsa novidade.

Mas o "espiritismo" no Brasil é um reflexo de uma sociedade conservadora que eventualmente se passa por moderna para parecer que está sintonizada com o mundo e com as demandas da humanidade contemporânea. No entanto, essa sociedade quer impor seu atraso sociocultural que garante os privilégios abusivos das elites que alternam entre o hedonismo irresponsável e o obscurantismo da fé, de forma a fazer com que somente essas elites tenham privilégios incessantes, mesmo quando esses benefícios estão longe de estar à altura das necessidades humanas fundamentais. Isso trava, e muito, o progresso do país.