Alexandre Caroli Rocha e as contradições em torno de Chico Xavier


Alexandre Caroli Rocha se envolveu numa grande enrascada intelectual. Como vimos, Caroli Rocha investiu num juízo de valor, chamando de "taxativos" e "escorregadios" os questionamentos acerca da suposta psicografia creditada a Humberto de Campos. Mas caiu em contradição consigo mesmo, porque ele justamente fez o que apontou contra os outros, no caso de Jair Presente.

O acadêmico paulista disse que as análises em torno de supostas psicografias são possíveis "somente com a assunção de uma determinada teoria sobre o postmortem ou sobre o fenômeno mediúnico". O problema é que nem isso é estudado pelo "movimento espírita" e, além do mais, a própria tese de Caroli Rocha aponta problemas sérios.

Afinal, a julgar pela sua blindagem em torno de Francisco Cândido Xavier, Caroli Rocha deve considerar como "plausível" a tese de haver um mundo espiritual na narrativa de Nosso Lar, considerado o livro mais vendido de Chico Xavier.

Apesar do seu verniz "imparcial" e "objetivo", a ação de Caroli Rocha aponta para um vício muito comum nas comunidades acadêmicas, que é a discriminação do senso crítico e o uso tendencioso do "rigor da Razão" em que há mais rigor do que Razão e se sustenta apenas numa cosmética "científica" de abordagens meramente descritivas e, mesmo acidentalmente, apologéticas.

O "movimento espírita" não analisa o post-mortem porque julga que ele já está pronto em Nosso Lar. E o fenômeno mediúnico, mesmo sendo um mistério até mesmo nos EUA - onde famosos como a atriz Brittany Murphy parecem vítimas das mesmas pseudo-psicografias similares a que se produzem no Brasil - , também não poderia ser resolvido no Brasil, mesmo numa figura badalada como a de Chico Xavier.

O que Caroli Rocha, num melindre que lembra muito o de "juristas" como o procurador do Ministério Público Federal, Deltan Dallagnol - ele mesmo também usuário de um verniz de "imparcialidade" que permitiu a retomada ultraconservadora no cenário político nacional - , ignora é que o Brasil é bem menos receptivo aos fenômenos mediúnicos, quase analfabeto no assunto, o que sugere que a ação de Chico Xavier é cheia de irregularidades, mediante análises diversas.

Há indícios de comportamento esquizofrênico manifestos na vida íntima de Chico Xavier, suas obras "mediúnicas" apresentam problemas de aspectos pessoais relacionados a supostos autores mortos - esse detalhe é desprezado por Caroli Rocha - , e não há uma tese segura que possa considerar como "provável" a atividade psicográfica do mineiro de Pedro Leopoldo.

Diferente de Caroli Rocha, que considera "inseguras" as teorias que desqualificam a "psicografia" de Chico Xavier, argumentos lógicos diversos consideram a verdadeira insegurança nas teses que buscam alguma consideração.

Em primeiro lugar, porque Caroli Rocha não reivindicou que os livros creditados a Humberto de Campos e Irmão X, alvo de suas análises escorregadias, fossem recolhidos e banidos de qualquer publicação, o que deveria ser uma exigência se realmente fizesse sentido sua tese de que seriam necessárias análises mais complexas sobre a vida espiritual e a atividade mediúnica, antes de liberarem as obras para apreciação pública.

Em segundo lugar, porque os sérios e gravíssimos problemas que, juntando as peças de um quebra-cabeça, constatariam na obra "psicográfica" de Chico Xavier uma atividade deplorável e altamente desonesta, revelam o quanto o Brasil é "virgem" no terreno da paranormalidade, e não é o primeiro caso de grande repercussão que apresentará alguma chance de veracidade.

A título de comparação, o caso da irmãs Fox (Kate, Leah e Maggie), estadunidenses que alegavam ouvir supostas manifestações espirituais através de batidas nas portas e mesas. O fenômeno teria sido estudado por nomes como Arthur Conan Doyle (o criador de Sherlock Holmes), sir William Crookes e o próprio Allan Kardec. Todavia, as irmãs revelaram que o evento havia sido uma farsa.

A farsa foi denunciada porque Leah passou a se desentender com as duas irmãs, que enfrentavam o vício do álcool. Além disso, Maggie teria se "retratado" da confissão de fraude, alegando que "era mediunidade mesmo", até porque o fenômeno havia atraído a atenção do mercado de espetáculos. Kate Fox havia citado um empresário de uma Academia de Música que realizou espetáculos similares, superlotando a casa e produzindo a renda de mil e quinhentos dólares.

Se no mundo mais desenvolvido há problemas em relação a tais fenômenos - que Kardec estudava não sem exercer o mais aprofundado senso crítico e investigativo - , que correspondem a um mistério que dá margem mais a desconfianças do que a especulações de probabilidade, imagine então o caso brasileiro de Chico Xavier, na qual há mais lógica quando se aponta para a desqualificação de suas obras ditas "mediúnicas" do que quando se aponta para alguma chance de veracidade.

DETURPAÇÃO

Deixando o caso de Caroli Rocha para vermos outro enfoque, que é o da deturpação e interferência editorial nos livros de Chico Xavier, notamos um caso de acusação que não procede, que é o de que editores da "Federação Espírita Brasileira" seriam "aproveitadores" da obra pessoal do "médium" e que teriam "deturpado" sua obra supostamente marcada de "pureza doutrinária", o que não faz sentido.

É mais uma de uma torrente de teses confusas envolvendo Chico Xavier e, neste caso, consideram que ele "não produziu sozinho" suas obras, quer dizer, que "produziu sozinho" - com a suposta ajuda dos "espíritos do além" - , mas que "interesses maquiavélicos" estariam "maculando" os livros do "bondoso homem".

Os chiquistas se confundem e, mesmo pregando à "paz", escolhem suas vidraças conforme as conveniências: os alvos da eventual artilharia podem ser a FEB, o espírito Emmanuel, o "médium" Carlos Baccelli, o jornalista Geraldo Lemos Neto, "forasteiros" que vão de Otília Diogo e Zé Arigó a João de Deus e Fernando Ben e tantos e tantos outros.

Seja para desmentir a "data-limite" ou dizer que "a FEB deturpou a obra de Chico Xavier", posturas tendenciosas surgem aqui e ali e, como numa corrida de carrinhos do tipo bate-bate nos parques de diversões, não raro os chiquistas se atropelam entre si, cada um defendendo sua convicção e blindando o "médium" da maneira que quer.

A verdade é que Chico Xavier gostava mesmo da parceria com os editores da FEB. Ele se mostrava agradecido e ele mesmo, católico de origem, era muito ortodoxo e não mediu escrúpulos para desfigurar o Espiritismo em prol de seus caprichos católico-medievais. Chico Xavier realmente deturpou a Doutrina Espírita, reduzindo-a a um clone medieval e mofado do Catolicismo. O problema é que a cegueira emocional dos chiquistas, em seus diversos níveis, não admite isso.