Chico Xavier, "iluminado" e "endividado"?
CHICO XAVIER DANDO AUTÓGRAFOS PARA OS FÃS.
Francisco Cândido Xavier é o reflexo da mediocridade gritante que vive o Brasil. Um arrivista promovido a uma pretensa unanimidade religiosa. Um reacionário tido como um suposto progressista. Um medieval visto como o dono do nosso futuro. Um semi-deus do tipo "gente como a gente", do qual há a matemática estranha de juntar as qualidades, de naturezas opostas, de "iluminado" e "endividado".
Se Chico Xavier é idolatrado, é certo que existe muita coisa de errada nas mentes dos brasileiros. O suposto médium não tem qualidade alguma, mesmo no terreno da humildade, que possa ser digna do menor apreço, mesmo a chamada "admiração moderada" que certos adeptos "isentões" tanto alardeiam em ter, eles que se acham os "donos da verdade" enrustidos (desses que dizem "não sou dono da verdade nem quero sê-lo", mas lutam para ter a palavra final para tudo).
Afinal, isso é reflexo de uma contaminação mental, um entulho psicológico que mistura desde o "jeitinho brasileiro" até o fanatismo religioso mais enrustido. São sombras mentais que assustam qualquer um, daí que todo mundo tem medo de conhecer e admitir suas piores qualidades. Ficam apenas no discurso malandro de que "todo mundo erra", "somos imperfeitos" e "quem nunca errou na vida?". É a tática de "admitir o crime para aliviar a sentença".
Foi divulgada uma pesquisa de Ana Lorym Soares que, pela sorte dela não ter expresso o senso crítico, que é amaldiçoado nos cursos de pós-graduação ao ser confundido com "mania de opinar", evitou dar em primeira mão a denúncia de um dos maiores escândalos do "movimento espírita": a modificação textual dos textos "mediúnicos", que já tinham um caráter duvidoso quanto à suposição de autoria espiritual.
A autora, talvez por boa-fé e pela intenção pessoal de não ferir o mito de Chico Xavier - diz uma piada que os brasileiros passam mais pano em Chico Xavier do que flanelinhas em automóveis e engraxates nos sapatos - , não abriu a "caixa com bomba-relógio" que esteve em suas mãos.
O escândalo é gravíssimo, mas como a corrupção é banalizada, como a sordidez humana tornou-se um patrimônio público, ao qual se admitem quotas de desonestidade até dentro do moralismo social, religioso e familiar, onde pais moralistas e conservadores ensinam seus filhos a mentir, mesmo dentro do processo de vencer na vida com muito sacrifício, tudo isso é deixado para lá.
Mas não deve ser assim. A revelação acidental de Ana Lorym Soares, interpretada por trás das aparências declaratórias das fontes orais e textuais pesquisadas pela historiadora, revela um dos mais sórdidos, deploráveis e preocupantes atos de desonestidade em uma instituição religiosa, coisas que, num país menos ingênuo, seriam capazes de derrubar, de uma vez e sem volta, o mito de Chico Xavier.
Vamos prestar atenção às situações em jogo:
1) Um livro poético que, nunca só tacada, tem obras creditadas a diversos autores mortos, chamado Parnaso de Além-Túmulo, deveria ser entendido, já desde seu lançamento, em 1932, dentro daquela máxima "é bom demais para ser verdade". Num Brasil totalmente ignorante em paranormalidade - só para se ter uma ideia, os EUA, um pouco mais evoluídos que o Brasil, passou por farsas "paranormais" envolvendo irmãs Fox, P. T. Barnum e William H. Mumley - , não há como confiar que um sem-número de escritores usou um caipira brasileiro para transmitir mensagens do além;
2) As "psicografias" em Parnaso de Além-Túmulo demonstram estar abaixo dos talentos dos autores mortos alegados. Só para citar exemplos, os estilos pessoais de Auta de Souza e Olavo Bilac "desaparecem", substituídos por uma poesia medíocre que manifesta o estilo pessoal de Chico Xavier. Em vida, Humberto de Campos admitiu "semelhanças", mas desaconselhou a continuidade de obras do tipo, o que irritou Chico Xavier. Depois de morto, Chico Xavier resolveu se apropriar do nome de Humberto e concebeu uma obra "pós-morte" muito aquém do estilo original do autor maranhense;
3) Revelou-se, através da divulgação tardia de cartas de Chico Xavier, por Suely Caldas Schubert em 1981, que as "psicografias" sofreram reparos editoriais de dirigentes da FEB. E quem imagina que Chico Xavier teria sido vítima dos que "mexeram" em sua obra, lembremos que ele não só consentiu, como apoiou a prática fraudulenta e, além do mais, se ofereceu para colaborar com as modificações.
Vamos juntar as peças do quebra-cabeça. Há irregularidades na obra espiritual, o que nos faz constatar que houve fraude. Não eram os "espíritos do além" que transmitiram essa mensagem e, por exemplo, Humberto de Campos nunca entrou em contato com Chico Xavier.
Nem temos certeza que Chico Xavier realmente sonhou com Humberto, aquilo pode ter sido uma mentira plantada para o suposto médium poder usar o nome do autor maranhense. Aliás, é constrangedor que se dê créditos aos supostos sonhos de Chico Xavier, vide o caso da "profecia da data-limite", que "previu" que o Chile, com intensa atividade vulcânica e sísmica, seria poupado de sumir do mapa pelas catástrofes vulcânicas e sísmicas que atingiriam parte dos EUA, o Japão e a Itália.
Combinando esse fragmento - duvidas quanto às autorias espirituais - com as modificações editoriais dos dirigentes da FEB, chegamos a uma dupla constatação: não só a atribuição de autoria espiritual é uma farsa (nenhum escritor morto recorreu a Chico Xavier para mandar mensagens) como elas haviam sido modificadas, porque já traziam erros grosseiros.
Ver que Chico Xavier queria modificar até mesmo coisas bobas como o verso "Sorrindo... Sorrindo..." por "Sorrindo... Cantando..." mostra também que, ainda que falsas, as "mensagens espirituais" não tinham valor. Ou seja, uma pegadinha semiótica era oferecida ao público, que simplesmente não percebeu a armadilha onde caiu.
Isso porque, ao fazer as modificações editoriais, os dirigentes da FEB, com a evidente cumplicidade de Chico Xavier, queriam impor sua "superioridade" acima dos espíritos, porque, além das supostas psicografias apresentarem problemas de aspectos pessoais dos autores mortos alegados (como afirmou em sábia ironia Léo Gilson Ribeiro, "O espírito sobe, o talento desce"), elas precisam ser "alteradas" pelos "editores da Terra" para serem levadas ao público.
Isso é extremamente grave. É coisa de se preocupar. Derrubaria Chico Xavier como um mito e faria seus memes serem boicotados nas redes sociais. Aumentaria os dislikes em tudo que fosse a favor do "médium" nas plataformas sociais. Chico Xavier seria o primeiro "cancelado do além-túmulo" pelos internautas, se estes tivessem um pouquinho menos de ingenuidade.
Só a atitude "flanelinha" dos brasileiros, que passam pano até nos piores erros de Chico Xavier - uns falam que sua defesa da ditadura militar foi uma "precipitação do momento" e elaboram teses escalafobéticas para relativizar o reacionarismo mais do que óbvio do "médium" - , permite achar que as modificações editoriais não foram fraudulentas, que Humberto de Campos poderia mudar totalmente seu estilo e que um sonho de Chico Xavier tem valor de uma "profecia".
São grandes tolices, motivadas por um fanatismo religioso em torno de um mistificador como Chico Xavier, um mau hábito contraído há, pelo menos, 40 anos, quando a própria ditadura militar promoveu o então "pitoresco paranormal" como "símbolo da caridade" para desviar a atenção do povo para ativistas verdadeiros como o então líder sindical Lula (dá pena os "espíritas de esquerda" darem o mesmo valor para duas figuras antagônicas, o hoje ex-presidente e o "médium", que era reacionário anti-petista e anti-lulista).
E isso cria momentos vergonhosos. Até pouco tempo, o suposto médium era "espírito de luz", "encerrou" sua missão encarnatória e foi para o "reino dos puros". Mas, recentemente, quando foram divulgadas fraudes de Chico Xavier, com provas irrefutáveis, as pessoas agora "tiraram o médium do Céu", definindo-o ainda como um "iluminado", mas agora classificado como "imperfeito" e "endividado".
Aliás, esse negócio de "endividado" dá margem a muita confusão. Afinal, são as dívidas de uma encarnação anterior à de Chico Xavier ou são as dívidas da sua referida encarnação? Além disso, tal atribuição é muito preguiçosa, pois transforma a imperfeição e a mediocridade humanas em zonas de conforto, que se resolveriam facilmente com um balé de palavrinhas bonitas despejadas num catatau de livros ou palestras.
Somos obrigados a admitir que o chiquismo é um terreno fértil para a imbecilidade e a burrice. Definir ao mesmo tempo um ídolo religioso como "iluminado" e "endividado" (não seria este um eufemismo para quem quer o calote moral?) revela a atitude confusa dos seguidores e adeptos de Chico Xavier, vários deles com uma estranha vaidade em serem "isentões", sempre criando como padrão médio humano uma moralidade confusa, pragmática e eventualmente desonesta.
Embora a comparação com Jair Bolsonaro cause horror em muitos seguidores de Chico Xavier, a verdade é que isso cobra dessas pessoas o autoconhecimento, atitude tão alardeada pelos "espíritas" mas nunca por eles praticada. É a questão de cobrar do outro que tem o argueiro em seu olho, mas ignora a trave que lhe cega o próprio olhar. E quantas traves cegam os "espíritas", que se gabam em "conhecer a luz e o conhecimento", mas se consideram "imperfeitos", como numa "carteirada por baixo"!
Não há como separar o "capitão messias" e o "médium cândido", igualmente reacionários e que, juntos, dariam um O Médico e o Monstro à brasileira, sendo um mesmo fenômeno de arrivismo, eventualmente mascarado de amor, mas surtando em explosões de ódio, como a "bobagem da grossa" que o "bondoso Chico" despejou contra os amigos de outro Jair, o ausente Jair Presente.
Jair Bolsonaro e Chico Xavier são produtos de um mesmo inconsciente psicológico, de um mesmo sistema de valores, de um mesmo rol de hipocrisias de uma sociedade que esconde suas sombras mentais e quer parecer "tudo de bom". Ambos são resultados de um inconsciente conservador, retrógrado, medieval, de uma sociedade que quer parecer moderna mas é profundamente atrasada.
A "espírita de esquerda" Ana Cláudia Laurindo caiu em contradição quando cobrou dos outros o conhecimento das "sombras ocultas" dos "espíritas", quando ela mesma se confunde ao se autoproclamar "progressista" e exaltar um apoiador da ditadura militar como Chico Xavier, que em sua "missão doutrinária" defendia valores análogos à reforma trabalhista dos golpistas de 2016.
"Ser o próprio obsessor não torna o espírita evoluído, mas nos alerta sobre o risco da estagnação em pontos de sombras interiores, que podem existir em todos nós, e somente são superados quando acatamos a luz da razão, do bom senso e do amor que irmana".
Daí que seria preciso as pessoas pararem para pensar, antes de ficar argumentando à toa, mesmo para defender Chico Xavier. É um risco enorme em cair em contradição, e precisamos rever as escolhas contraditórias que se amontoam como velhos brinquedos nos nossos porões mentais. A vida não é um restaurante a quilo, onde se pega o que quiser. Não há como ser progressista apoiando um reacionário. Assim como não dá para usar a "imperfeição" como desculpa para aceitar os defeitos.
Francisco Cândido Xavier é o reflexo da mediocridade gritante que vive o Brasil. Um arrivista promovido a uma pretensa unanimidade religiosa. Um reacionário tido como um suposto progressista. Um medieval visto como o dono do nosso futuro. Um semi-deus do tipo "gente como a gente", do qual há a matemática estranha de juntar as qualidades, de naturezas opostas, de "iluminado" e "endividado".
Se Chico Xavier é idolatrado, é certo que existe muita coisa de errada nas mentes dos brasileiros. O suposto médium não tem qualidade alguma, mesmo no terreno da humildade, que possa ser digna do menor apreço, mesmo a chamada "admiração moderada" que certos adeptos "isentões" tanto alardeiam em ter, eles que se acham os "donos da verdade" enrustidos (desses que dizem "não sou dono da verdade nem quero sê-lo", mas lutam para ter a palavra final para tudo).
Afinal, isso é reflexo de uma contaminação mental, um entulho psicológico que mistura desde o "jeitinho brasileiro" até o fanatismo religioso mais enrustido. São sombras mentais que assustam qualquer um, daí que todo mundo tem medo de conhecer e admitir suas piores qualidades. Ficam apenas no discurso malandro de que "todo mundo erra", "somos imperfeitos" e "quem nunca errou na vida?". É a tática de "admitir o crime para aliviar a sentença".
Foi divulgada uma pesquisa de Ana Lorym Soares que, pela sorte dela não ter expresso o senso crítico, que é amaldiçoado nos cursos de pós-graduação ao ser confundido com "mania de opinar", evitou dar em primeira mão a denúncia de um dos maiores escândalos do "movimento espírita": a modificação textual dos textos "mediúnicos", que já tinham um caráter duvidoso quanto à suposição de autoria espiritual.
A autora, talvez por boa-fé e pela intenção pessoal de não ferir o mito de Chico Xavier - diz uma piada que os brasileiros passam mais pano em Chico Xavier do que flanelinhas em automóveis e engraxates nos sapatos - , não abriu a "caixa com bomba-relógio" que esteve em suas mãos.
O escândalo é gravíssimo, mas como a corrupção é banalizada, como a sordidez humana tornou-se um patrimônio público, ao qual se admitem quotas de desonestidade até dentro do moralismo social, religioso e familiar, onde pais moralistas e conservadores ensinam seus filhos a mentir, mesmo dentro do processo de vencer na vida com muito sacrifício, tudo isso é deixado para lá.
Mas não deve ser assim. A revelação acidental de Ana Lorym Soares, interpretada por trás das aparências declaratórias das fontes orais e textuais pesquisadas pela historiadora, revela um dos mais sórdidos, deploráveis e preocupantes atos de desonestidade em uma instituição religiosa, coisas que, num país menos ingênuo, seriam capazes de derrubar, de uma vez e sem volta, o mito de Chico Xavier.
Vamos prestar atenção às situações em jogo:
1) Um livro poético que, nunca só tacada, tem obras creditadas a diversos autores mortos, chamado Parnaso de Além-Túmulo, deveria ser entendido, já desde seu lançamento, em 1932, dentro daquela máxima "é bom demais para ser verdade". Num Brasil totalmente ignorante em paranormalidade - só para se ter uma ideia, os EUA, um pouco mais evoluídos que o Brasil, passou por farsas "paranormais" envolvendo irmãs Fox, P. T. Barnum e William H. Mumley - , não há como confiar que um sem-número de escritores usou um caipira brasileiro para transmitir mensagens do além;
2) As "psicografias" em Parnaso de Além-Túmulo demonstram estar abaixo dos talentos dos autores mortos alegados. Só para citar exemplos, os estilos pessoais de Auta de Souza e Olavo Bilac "desaparecem", substituídos por uma poesia medíocre que manifesta o estilo pessoal de Chico Xavier. Em vida, Humberto de Campos admitiu "semelhanças", mas desaconselhou a continuidade de obras do tipo, o que irritou Chico Xavier. Depois de morto, Chico Xavier resolveu se apropriar do nome de Humberto e concebeu uma obra "pós-morte" muito aquém do estilo original do autor maranhense;
3) Revelou-se, através da divulgação tardia de cartas de Chico Xavier, por Suely Caldas Schubert em 1981, que as "psicografias" sofreram reparos editoriais de dirigentes da FEB. E quem imagina que Chico Xavier teria sido vítima dos que "mexeram" em sua obra, lembremos que ele não só consentiu, como apoiou a prática fraudulenta e, além do mais, se ofereceu para colaborar com as modificações.
Vamos juntar as peças do quebra-cabeça. Há irregularidades na obra espiritual, o que nos faz constatar que houve fraude. Não eram os "espíritos do além" que transmitiram essa mensagem e, por exemplo, Humberto de Campos nunca entrou em contato com Chico Xavier.
Nem temos certeza que Chico Xavier realmente sonhou com Humberto, aquilo pode ter sido uma mentira plantada para o suposto médium poder usar o nome do autor maranhense. Aliás, é constrangedor que se dê créditos aos supostos sonhos de Chico Xavier, vide o caso da "profecia da data-limite", que "previu" que o Chile, com intensa atividade vulcânica e sísmica, seria poupado de sumir do mapa pelas catástrofes vulcânicas e sísmicas que atingiriam parte dos EUA, o Japão e a Itália.
Combinando esse fragmento - duvidas quanto às autorias espirituais - com as modificações editoriais dos dirigentes da FEB, chegamos a uma dupla constatação: não só a atribuição de autoria espiritual é uma farsa (nenhum escritor morto recorreu a Chico Xavier para mandar mensagens) como elas haviam sido modificadas, porque já traziam erros grosseiros.
Ver que Chico Xavier queria modificar até mesmo coisas bobas como o verso "Sorrindo... Sorrindo..." por "Sorrindo... Cantando..." mostra também que, ainda que falsas, as "mensagens espirituais" não tinham valor. Ou seja, uma pegadinha semiótica era oferecida ao público, que simplesmente não percebeu a armadilha onde caiu.
Isso porque, ao fazer as modificações editoriais, os dirigentes da FEB, com a evidente cumplicidade de Chico Xavier, queriam impor sua "superioridade" acima dos espíritos, porque, além das supostas psicografias apresentarem problemas de aspectos pessoais dos autores mortos alegados (como afirmou em sábia ironia Léo Gilson Ribeiro, "O espírito sobe, o talento desce"), elas precisam ser "alteradas" pelos "editores da Terra" para serem levadas ao público.
Isso é extremamente grave. É coisa de se preocupar. Derrubaria Chico Xavier como um mito e faria seus memes serem boicotados nas redes sociais. Aumentaria os dislikes em tudo que fosse a favor do "médium" nas plataformas sociais. Chico Xavier seria o primeiro "cancelado do além-túmulo" pelos internautas, se estes tivessem um pouquinho menos de ingenuidade.
Só a atitude "flanelinha" dos brasileiros, que passam pano até nos piores erros de Chico Xavier - uns falam que sua defesa da ditadura militar foi uma "precipitação do momento" e elaboram teses escalafobéticas para relativizar o reacionarismo mais do que óbvio do "médium" - , permite achar que as modificações editoriais não foram fraudulentas, que Humberto de Campos poderia mudar totalmente seu estilo e que um sonho de Chico Xavier tem valor de uma "profecia".
São grandes tolices, motivadas por um fanatismo religioso em torno de um mistificador como Chico Xavier, um mau hábito contraído há, pelo menos, 40 anos, quando a própria ditadura militar promoveu o então "pitoresco paranormal" como "símbolo da caridade" para desviar a atenção do povo para ativistas verdadeiros como o então líder sindical Lula (dá pena os "espíritas de esquerda" darem o mesmo valor para duas figuras antagônicas, o hoje ex-presidente e o "médium", que era reacionário anti-petista e anti-lulista).
E isso cria momentos vergonhosos. Até pouco tempo, o suposto médium era "espírito de luz", "encerrou" sua missão encarnatória e foi para o "reino dos puros". Mas, recentemente, quando foram divulgadas fraudes de Chico Xavier, com provas irrefutáveis, as pessoas agora "tiraram o médium do Céu", definindo-o ainda como um "iluminado", mas agora classificado como "imperfeito" e "endividado".
Aliás, esse negócio de "endividado" dá margem a muita confusão. Afinal, são as dívidas de uma encarnação anterior à de Chico Xavier ou são as dívidas da sua referida encarnação? Além disso, tal atribuição é muito preguiçosa, pois transforma a imperfeição e a mediocridade humanas em zonas de conforto, que se resolveriam facilmente com um balé de palavrinhas bonitas despejadas num catatau de livros ou palestras.
Somos obrigados a admitir que o chiquismo é um terreno fértil para a imbecilidade e a burrice. Definir ao mesmo tempo um ídolo religioso como "iluminado" e "endividado" (não seria este um eufemismo para quem quer o calote moral?) revela a atitude confusa dos seguidores e adeptos de Chico Xavier, vários deles com uma estranha vaidade em serem "isentões", sempre criando como padrão médio humano uma moralidade confusa, pragmática e eventualmente desonesta.
Embora a comparação com Jair Bolsonaro cause horror em muitos seguidores de Chico Xavier, a verdade é que isso cobra dessas pessoas o autoconhecimento, atitude tão alardeada pelos "espíritas" mas nunca por eles praticada. É a questão de cobrar do outro que tem o argueiro em seu olho, mas ignora a trave que lhe cega o próprio olhar. E quantas traves cegam os "espíritas", que se gabam em "conhecer a luz e o conhecimento", mas se consideram "imperfeitos", como numa "carteirada por baixo"!
Não há como separar o "capitão messias" e o "médium cândido", igualmente reacionários e que, juntos, dariam um O Médico e o Monstro à brasileira, sendo um mesmo fenômeno de arrivismo, eventualmente mascarado de amor, mas surtando em explosões de ódio, como a "bobagem da grossa" que o "bondoso Chico" despejou contra os amigos de outro Jair, o ausente Jair Presente.
Jair Bolsonaro e Chico Xavier são produtos de um mesmo inconsciente psicológico, de um mesmo sistema de valores, de um mesmo rol de hipocrisias de uma sociedade que esconde suas sombras mentais e quer parecer "tudo de bom". Ambos são resultados de um inconsciente conservador, retrógrado, medieval, de uma sociedade que quer parecer moderna mas é profundamente atrasada.
A "espírita de esquerda" Ana Cláudia Laurindo caiu em contradição quando cobrou dos outros o conhecimento das "sombras ocultas" dos "espíritas", quando ela mesma se confunde ao se autoproclamar "progressista" e exaltar um apoiador da ditadura militar como Chico Xavier, que em sua "missão doutrinária" defendia valores análogos à reforma trabalhista dos golpistas de 2016.
"Ser o próprio obsessor não torna o espírita evoluído, mas nos alerta sobre o risco da estagnação em pontos de sombras interiores, que podem existir em todos nós, e somente são superados quando acatamos a luz da razão, do bom senso e do amor que irmana".
Daí que seria preciso as pessoas pararem para pensar, antes de ficar argumentando à toa, mesmo para defender Chico Xavier. É um risco enorme em cair em contradição, e precisamos rever as escolhas contraditórias que se amontoam como velhos brinquedos nos nossos porões mentais. A vida não é um restaurante a quilo, onde se pega o que quiser. Não há como ser progressista apoiando um reacionário. Assim como não dá para usar a "imperfeição" como desculpa para aceitar os defeitos.