Chico Xavier foi, sim, um "mercador espírita"



"Conheces os segredos de sua alma?", alertam os ensinamentos da Codificação sobre os supostos médiuns. "Além disso, sem ser vicioso, ele pode ser leviano e frívolo", completa o aviso, praticamente sabendo de como seria a figura traiçoeira de Francisco Cândido Xavier.

Desenvolvendo um perigoso culto à personalidade, sob o qual se desenvolve um complexo e persistente processo de obsessão de seus seguidores, incluindo a fascinação e a subjugação, Chico Xavier criou um perigoso processo de dominação dos brasileiros, através de todo um aparato de manipulação linguística que pega todos desprevenidos.

Alguns se tornam propagandistas de Chico Xavier por boa-fé, mas há os que o fazem de ma-fé, e estes não são poucos. Num Brasil em que se finge fidelidade absoluta e respeito rigoroso a Allan Kardec, a deturpação do Espiritismo tornou-se um "crime perfeito", algo bem sucedido até porque a ignorância da maioria dos brasileiros, ainda mais num contexto em que a burrice é aceita socialmente, simplesmente não percebe essa manobra bastante perigosa e nociva.

Consideramos ser de má-fé a atuação de "espíritas de esquerda" que, diferente de gente autenticamente espírita e genuinamente esquerdista (como Dora Incontri e Sérgio Aleixo, que, aliás, seguem o Espiritismo francês e não o brasileiro), tentam empurrar Chico Xavier para a apreciação esquerdista, mesmo que seja sob o preço de uma abordagem seletiva de sua imagem, jogando o lado ultraconservador do "médium" debaixo do tapete.

É o caso de Franklin Félix, que deveria ter consciência de que não se pode propagar Chico Xavier nos meios esquerdistas, porque o apoio dele à ditadura militar foi tão convicto que ele foi homenageado pela Escola Superior de Guerra, um episódio que não pode ser menosprezado nem relativizado.

Afinal, num radicalismo repressivo que foi o período de 1971-1972, a ESG nunca iria homenagear quem não colaborasse com a ditadura militar. Se homenageou Chico Xavier, é porque ele colaborou com o regime ditatorial.

É surreal que os "espíritas de esquerda" falem mal do direitismo de Divaldo Franco, Carlos Vereza e Robson Pinheiro, mas se esquecem que Chico Xavier foi bem mais radical e apoiou até o AI-5, além de esculhambar, diante do grande público, movimentos de operários, camponeses e até sem-teto. Para as esquerdas, Chico Xavier deveria merecer tão somente repúdio e desprezo, mesmo com todas as vírgulas que tentam suavizar sua imagem.

São ideias desagradáveis, cuja informação, mesmo relatada com todo o seu realismo, revolta a todos. Os "espíritas" são olavistas e terraplanistas em potencial, mesmo os ditos "de esquerda", e isso se confirma com o apetite em querer que um único homem seja visto não pelo gosto amargo da Verdade, mas pelo gosto adocicado, de efeitos narcóticos e analgésicos, da Fantasia mais despudorada. Daí as fantasias em torno de Chico Xavier, o brasileiro mais idealizado de toda a História do nosso país.

Vemos aqui um trecho do artigo "Os mercadores espíritas da fé", publicado na Carta Capital, reduto de estranhos colunistas e jornalistas "de esquerda" que repetem padrões e abordagens já bastante difundidos pela mídia corporativa, sobretudo quando se refere à domesticação das pessoas pobres.

Nesse artigo, Franklin Félix tenta afirmar que Chico Xavier destoava do "comércio da fé" e narra passagens "lindas" que mais parecem retiradas de declarações a respeito de Luciano Huck nos momentos "comoventes" dos quadros assistenciais do Caldeirão do Huck. É a mesma propaganda sentimentalista que, no exterior, também narrou "histórias lindas" a respeito de Madre Teresa de Calcutá:

"Na minha adolescência, como dirigente de mocidade espírita (equivalente ao grupo de primeira comunhão católica ou células de juventudes protestantes), vendíamos espetinhos de chocolate a fim de garantir o fim de semana em um sítio. Naquela época, recebíamos duras críticas da dirigente por estarmos comercializando no centro espírita. Talvez ela não tivesse ideia do que o movimento se tornaria.

Guardadas todas as ressalvas a Chico Xavier e reconhecendo seu brilhante trabalho de assistência social e espiritual, lembrei-me de um episódio ouvido ainda criança que relatava a surpresa de Chico ao ganhar um tapete, tecido pelas próprias mãos que o entregava.

 Como sabia que era caro e para evitar que doasse ou trocasse por comida para seus beneficiados, sugeriu que as próprias senhoras “donas do presente” guardassem para ele.

Outra história, geralmente partilhada ao mesmo tempo com a primeira, dizia que Chico, ao receber um carro 0 quilômetro, pediu a um comerciante local que assistia a cena que trocasse o automóvel por macarrão. Em seguida, distribuiu entre as famílias empobrecidas de sua comunidade.

Desprendido, sempre transferia para instituições ou necessitados os presentes. Autor de 412 livros psicografados, Chico teria morrido milionário se cobrasse por eles. Nunca reivindicou absolutamente nada, ao contrário, doava os direitos autorais a instituições espíritas, ressaltando se tratar ele de um mero intermediário dos verdadeiros autores, os espíritos desencarnados".

Como é admirável o balé das palavras, capaz de distorcer os fatos com a beleza de seus vocábulos, com o lirismo de suas metáforas, com a choradeira de seus argumentos, discutíveis aos olhos da Razão. Franklin Félix cita dois "lindos episódios" de Chico Xavier, um referente a uma estranha concessão de um tapete como presente e outro, sobre a troca de um automóvel 0km por macarrão.

No caso do tapete, há um relato estranho: Chico queria EVITAR que o tapete fosse trocado por comida ou doações, sugerindo que as costureiras guardassem o objeto para o "médium". Já em outro, a retórica é mais verossímil: carro novo trocado por alimento, dado a populações pobres através de demonstrações de Assistencialismo.

CARIDADE COMO MARKETING E A RETÓRICA DO "SEQUESTRO"

As pessoas não percebem as habilidades da manipulação ideológica, que podem desvirtuar os termos "caridade" e "fraternidade" da mesma forma que o imaginário político deturpou os termos "democracia" e "liberdade". Quanto à "liberdade", que liberdade é essa em que uns são mais livres que os outros, que devem zelar pela liberdade dos abusivos, sob o preço da falta de liberdade de quem só quer o necessário?

Quanto à ideia de "caridade", há um grande e nunca resolvido equívoco de linguagem e de abordagem, que mede sempre o valor da suposta ajuda ao próximo ao prestígio do pretenso benfeitor. Esquecemos que as "caridades" de padrão huckiano de Chico Xavier nunca transformaram a sociedade e tudo o que foi feito foi não só promover pessoalmente o "médium" como um suposto símbolo de humildade como também serve para blindá-lo dos piores erros.

A "caridade" virou uma espécie de moeda de suborno simbólica, que sempre está aí para passar pano em Chico Xavier diante de qualquer denúncia que houver contra ele. E quão são estéreis os "debates" e até brigas profundas só para proteger o prestígio do "médium", uma discussão cujo lado mais desequilibrado e neurótico vem justamente de quem apoia Chico Xavier.

No caso de Franklin Félix, por que ele também não define os defeitos de Luciano Huck como "ressalvas" e reembalar e vender para as esquerdas o apresentador do Caldeirão do Huck como um "marxista fofinho e perfumado"? Com o "milagre" da retórica, quem sabe até Olavo de Carvalho também possa ser promovido como um "adorável marxista" e "filantropo inabalável"?

Caridade se mede pelos resultados. E os resultados da "caridade" de Chico Xavier foram muito abaixo do medíocre e não merecem um milionésimo da adoração que é dada a ele. Fica claro que essa "caridade" valeu mais para forjar protagonismo no "médium" e garantir a sua promoção pessoal. Algo semelhante ao que Luciano Huck anda fazendo hoje em dia.

SE CHICO XAVIER NÃO FOSSE MERCADOR, NÃO TERIA LANÇADO MAIS DE 400 LIVROS

Um ponto a observar é que Chico Xavier lançou mais de 400 livros, sem falar dos inúmeros livros que vão de "lindas histórias" até "profecias" atribuídas ao "médium". Alguém, em sã consciência, imagina que ele não seria, realmente, um mercador literário? Ainda mais quando sua obra literária se desperdiça em pregações morais que podem ser dadas com poucas palavras?

Para piorar, os livros de Chico Xavier são receituários moralistas retrógrados e medievais. O medievalismo invade os instintos dos brasileiros que pensam que isso é progressismo ou futurismo, por acharem que, supostamente, se tratam de valores "acima dos tempos". Só que esses valores, fundamentados na Teologia do Sofrimento e num pacote ideológico que envolve trabalho servil (análogo ao da escravidão) e "cura gay", são ainda piores porque publicados em 400 e tantas obras.

A Doutrina Espírita original, através de O Livro dos Médiuns, sempre alerta para espíritos inferiores que são "escrevinhadores", como alerta o Capítulo 23 - Da Obsessão, no item 247:

"247. Os Espíritos sistemáticos são quase sempre escrevinhadores. É por isso que procuram os médiuns que escrevem com facilidade, tratando de fazê-los seus instrumentos dóceis e sobretudo entusiastas, por meio da fascinação. Esses Espíritos são geralmente verbosos, muito prolixos, procurando compensar pela quantidade a falta de qualidade. Gostam de ditar aos seus intérpretes volumosos escritos, indigestos e muitas vezes pouco inteligíveis, que trazem felizmente como contraveneno a impossibilidade material de ser lidos pelas massas. Os Espíritos realmente superiores são sóbrios nas palavras, dizem muita coisa em poucas linhas, de maneira que essa fecundidade prodigiosa deve ser sempre considerada suspeita".

Até parece que Allan Kardec já imaginava da ameaça representada por Chico Xavier, que tratava temas como "amor" e "fraternidade" de maneira prolixa, com linguagem forçadamente erudita e complicada, verbosa, solene e rebuscada. Os 400 e tantos livros - fala-se de quase 500! - compensam pela quantidade a falta de qualidade, representando volumosos escritos, mesmo aqueles que possuem um número modesto de páginas (para custar barato e vender mais).

Oportunista, Chico Xavier criava, com a ajuda de dirigentes da FEB, arremedos de estilos diversos: romances, obras "científicas", livros "infantis", obras claramente igrejistas, "reportagens" etc. Tudo para atingir os mais diversos públicos, não pelo objetivo de trazer a "boa nova", ainda mais pregando valores medievais, mas para render muito dinheiro e garantir prestígio e protagonismo do "médium".

Os espíritos superiores não lançariam essa quantidade enorme de livros, produzidos de maneira "industrial". Eles se limitariam a poucos livros, se querem uma explicação mais pormenorizada dos fenômenos espíritas. A bibliografia de Allan Kardec é pequena, e mesmo a obra publicada após seu falecimento foi apenas um único livro, intitulado simplesmente Obras Póstumas.

FEB SUSTENTAVA CHICO XAVIER. DEPOIS DA "MEDIUNIDADE", ELE NUNCA MAIS FOI POBRE

Chico Xavier só foi pobre na infância e na adolescência, até a primeira edição de Parnaso de Além-Túmulo, com seu apelo ao mesmo tempo fraudulento e sensacionalista - a alegação de que o livro traria "mensagens inéditas" de "espíritos de grandes escritores". Isso num Brasil agrário, com a maioria da população analfabeta, rural e provinciano, mal tendo condições de entrar em contato com o mundo, quanto mais conhecer a paranormalidade, o ato de "entrar em contato com os mortos"!

E aí vemos como o ditado "é bom demais para ser verdade" foi esquecido diante da trajetória arrivista de Chico Xavier, que subia os degraus de sua ascensão pessoal, ganhando uma blindagem de fazer inveja a qualquer político do PSDB - nem Aécio Neves, outro seguidor de Chico Xavier, que o tucano visitou no final da vida, exercendo, no contato, sintonia e identificação mútuas - e passava por cima de qualquer escândalo, usando a religião como "carteirada".

Há um erro em dizer que Chico Xavier preferiu permanecer pobre. Se ele rejeitou receber os lucros de seus livros, foi uma simples recusa de cachê, que todo famoso extravagante também seria capaz de fazer. Chico Xavier não tocava em dinheiro, mas a "Federação Espírita Brasileira" e a "União Espírita Mineira" o sustentavam nos mesmos padrões que, descontado o aparato de luxo, equivalem aos dos membros da realeza britânica.

Ele tinha regalias, tinha privilégios e já vimos uma foto na qual ele expunha sua "superioridade" em relação ao povo pobre, em relação de profunda subordinação hierárquica destes com o "médium". Nesta imagem, o "médium" aparece com semblante de mal-disfarçada satisfação, enquanto senhoras humildes e deprimidas vão em fila para a cerimônia do beija-mão, um ritual que, aliás, era típico da Idade Média. A imagem contrasta também com a de Lula, descrita no referente texto nosso.

Quanto à venda dos livros e a recusa do cachê, diz o ditado que "não existe almoço grátis". Não será o "espiritismo" brasileiro a exceção para um entusiasmo maior do que o normal com os lucros e arrecadações das atividades "espíritas", como donativos, pagamentos de carnês e vendas de livros "mediúnicos" ou "de estudo doutrinário". Ninguém fica eufórico porque o dinheiro que chega aos montes será realmente destinado aos pobrezinhos.

Os próprios "espíritas" se contradizem, quando ao mesmo tempo admitem que a religião é "imperfeita" e "comete falhas", mas consentem, como suposta unanimidade, que o "entusiasmo pelo uso de grandes somas de dinheiro para a caridade" é possível. Mas isso não é da natureza psicológica de pessoa alguma e o verdadeiro caridoso, quando doa uma considerável soma financeira para os mais necessitados, apenas sente uma pequena satisfação e não toca mais no assunto, a não ser quando a situação permite.

Já Chico Xavier foi promovido por cada "caridade" associada a ele. A "humildade" foi apenas uma desculpa, porque ele sempre soube que obteve protagonismo e promoção pessoal. Mas a arte da retórica o fazia desmentir qualquer coisa que faça. Daí os apelos de Chico Xavier para ninguém fazer juízo de valor, quando ele fez duas vezes, uma contra as humildes vítimas de um incêndio criminoso em um circo, outra contra a desconfiança natural dos amigos de Jair Presente.

"Conheces os segredos de sua alma? Sem ser vicioso, ele pode ser frívolo e leviano", repetimos o alerta de O Livro dos Médiuns sobre supostos médiuns. Quem não imagina que Chico Xavier era, sim, um mercado de livros, mas sua esperteza criou artifícios para mascarar o enriquecimento, ao menos, da FEB que lhe sustentava como um tutelado privilegiado.

Quando aprendermos que a coreografia das palavras acoberta ideias nem tão transparentes assim, vamos entender os pontos sombrios e aberrantes da trajetória de Chico Xavier, adorado pelo vício obsessivo das paixões religiosas, apegadas a paradigmas de suposta humildade que mostram o quanto a fé é um estimulante perigoso para os sentimentos da fascinação e subjugação ainda mais perigosas.